“O duelo”
conta a história de um anjo e um demônio que sob a forma humana, chegam numa
pequena cidade do interior de São Paulo no final dos anos 50, lá acabam se
envolvendo com algumas pessoas locais e principalmente com uma mesma mulher,
gerando então a metáfora do quadrinho: a quem o elemento humano deve pender,
Deus ou o Diabo. Além de o assunto ser algo perene em meu trabalho desde então,
questões espirituais, a fonte que primeiro me inspirou a fazer essa hq na ocasião
foi o filme “Coração Satânico”, policial noir com pitadas fortes de terror com
o então galã Mickey Rourke fazendo um detetive particular e Robert De Niro
fazendo o próprio “coisa ruim”. Filme fantástico do diretor Allan Parker que me
tocou profundamente em vários sentidos, difíceis de explicitar para vocês,
mesmo hoje, passado quase 30 anos. Foi a partir desse primeiro impacto inicial
que resolvi produzir algo nesse clima numa HQ longa, era jovem e sonhador, como
muitos, e não pensava em como esse quadrinho seria publicado, queria era parir
aquela ideia. Naquele período ainda eu estava obcecado também por um outro
filme lançado alguns anos antes e um Cult absoluto: “Blade Runner, o caçador de
androides” do diretor Ridley Scott e tendo Harrison Ford como protagonista,
também um policial noir só que passado num futuro não muito distante, 2019, e...
bem, estamos quase lá! Somando e fechando a trindade, fazia sucesso na época a
música “Faroeste Caboclo” da Legião Urbana e, foi nesse período também que
descobri os filmes western spaghetti, principalmente do Sergio Leone e obras
também absolutas como “Era uma vez no Oeste” e “Três homens em conflito”. Como
acontece em todas as descobertas, eu vivia em estado de estupefação com o “descobrimento”
de todas essas maravilhas.
Durante os
três anos em que trabalhei nas 85 páginas desse quadrinho (na época trabalha
como empregado, então os desenhos só aconteciam nas horas de folga mesmo), as
trilhas desses dois filmes, “Coração Satânico”, “Blade Runner” e a música “Faroeste
Caboclo” rodavam direto na minha... vitrola... sim, eram anos 80, lembrem-se
disso, e foram a trilha dessa hq, embora à princípio possa parecer uma mistura
discrepante, aquilo tudo na minha cabeça funcionava como elementos de tremendo
tempero, dosando climas e mais climas dentro daquela hq, desde o tom soturno, às
vezes tenebroso, ou até cool de “Coração Satânico” ao clima charmoso, romântico
e aventureiro de “Blade Runner” e o rock’n roll com pitadas cowntry, porém bem
brasileiras de “Faroeste Caboclo”, que além de tudo, contava sobre um duelo que
fechava a canção, daí talvez o título do meu quadrinho, embora não tenha hoje a
absoluta precisão se realmente foi isso que inspirou a ideia para o nome.
A
experiência de produzir “O duelo” naqueles anos, foi extremamente enriquecedora
para um cara que na ocasião sonhava com possibilidades e mais possibilidades que
os quadrinhos poderiam ter, por sinal, eu e mais uma enorme leva de
desenhistas, claro, coisa que só alguns poucos anos atrás se mostraram possíveis
e ainda se está construindo essas possibilidades, porém, possibilidades palpáveis
e com horizontes à frente. Mas enfim, a experiência desse trabalho trouxe-me a
compreensão de agregar outros elementos ao processo de criação, como a música,
que é peça fundamental para embalar toda a fase do trabalho.
Esse tipo
de aclimatização na hora de trabalhar é comum para muitos desenhistas, e aí
cada um opta por aquele tipo de música que mais lhe agrada, rock, samba, MPB,
seja lá o que for, ou mesmo o silêncio, não importa como, o que conta sempre é
o resultado que a obra produzida deve ter e alcançar.
Na próxima
postagem comentarei mais um pouco com vocês sobre quadrinhos e suas trilhas sonoras,
falando especialmente sobre Yeshuah e a safada Tianinha.
Um comentário:
Bela postagem, Laudo! Bacana ler sobre processos de criação e memórias dos desenhistas, especialmente de uma época tão próxima e ao mesmo tempo tão diferente da atual.
Grande abraço,
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