25 de maio de 2018

AS HISTÓRIAS QUE COMPÕE O PLANO DE VOO 1ªparte

Capa da edição

              No ano passado a editora paulistana Criativo lançou uma nova coleção de seus álbuns voltados à artistas da ilustração e quadrinhos, a Graphic Book, trazendo material inédito de alguns artistas e obras já esquecidas pelo tempo e nunca mais republicadas, muita coisa boa e principalmente um resgate da produção nacional de quadrinhos. E foi através deste selo, Graphic Book, que lancei Plano de voo, coletânea de hq’s curtas que fiz ao longo dos anos para algumas publicações como a revista Café Espacial, Fierro Brasil e Clássicos revisitados, entre outras. A contracapa traz um texto do Sergio Chaves, editor da Café Espacial, revista cultural  longeva o qual tive o prazer de participar desde o primeiro número, além de roteirista e parceiro de meus últimos trabalhos, fazendo toda a parte de edição e edição de arte.  Quero então apresentar para vocês, o processo de criação das hq’s que compõe esse álbum, como e por que fui faze-las, principalmente criar suas histórias, o que motivou, qual os caminhos que elas levaram. Processos estes interessantes para quem aprecia e acompanha meu trabalho, assim como para novos e já nem tanto jovens assim criadores de quadrinhos, pois trocas de informações sempre são importantes.
- A QUEM INTERESSAR POSSA, roteiro e desenhos meus com tons de cinza do Omar Viñole e publicada originalmente na revista Fierro Brasil nº2 no ano de 2012.  O convite para produzir uma hq de três páginas para a segunda edição da versão brasileira da revista argentina Fierro, veio num período em que eu passava por uma crise artística, onde entre tantos conflitos me questionava a serventia, a validade do que vinha fazendo, o porquê de ainda fazer quadrinhos, a eterna dúvida se o meu trabalho se comunicava com alguém. Uma onda terrível onde se é levado e em alguns casos morre-se afogado neste oceano depressivo. Porém, em meio a toda essa carga negativa, existia um ponto dentro de mim que sabia que não valia a pena sofrer tanto e que muito mais importante era manter o sonho, aquilo que até então vinha me alimentando. Convite feito, resolvi então arriscar trabalhar em cima desta crise pessoal na hq e usar os dois contrapontos, o artista e seu problema pessoal e uma consciência falando enfim do quanto importante é manter-se fiel a seu sonho e essa consciência estava representada numa personagem sem nome, jovem, sexy, de estilo moderno. A musa. Aqui nesta hq os dois únicos personagens, o artista e a musa, são as variáveis de minha personalidade.
Sequência inicial de "A quem interessa possa"

- BELLA SENZ’ANIMA, roteiro e desenhos meus, publicada originalmente na revista Pâncreas nº02, no ano de 2010. O título desta hq foi inspirado na velha canção italiana de título homônimo e nada mais é que um exercício de fluxo da consciência, deixando a cabeça correr solta e em cima do clima que a canção pôde me gerar. Claro, há a pergunta: por que essa canção? A resposta faz parte daquelas coisas muito difíceis de explicar e vale acrescentar que não sou nenhum fã da referida canção.
-O RETRATO DE SEUS OLHOS, roteiro Sergio Chaves e desenhos meus, publicada originalmente na revista Café Espacial nº 12, no ano de 2013. Primeira vez que ilustrei um roteiro do Sergio e justamente ele coube como uma luva dentro de uma linha de histórias que gosto muito de trabalhar. Um brevíssimo momento em à mente do protagonista para dentro de um outro campo onde o sentimento é exposto ao máximo para que algo a mais e verdadeiro seja descoberto. O clima é ao mesmo tempo de pura poesia, lisérgico e onírico, onde o texto do Sergio foi preciso e inspirador para que eu compusesse as imagens.
Poesia e clima onírico em "O retrato de seus olhos"

- O HOMEM QUE NÃO SORRIA, roteiro e desenhos meus, publicada originalmente na revista Máquina Zero nº 02 no ano de 2015. A ideia desta hq é muito similar a Questão de Karma, ou seja, algo que partiu de uma situação única, um tópico, que então gera todo o roteiro. No caso deste quadrinho trata-se justamente do que o título já diz: um homem que nunca sorria e para compor essa característica que é na realidade um drama para o protagonista, a trama conta a história de um homem casado com a filha de um milionário e este amaldiçoava o dia em que sua única herdeira resolvera se casar com um zé ninguém, pobretão. Disposto a amarrar seu genro a uma tragédia pessoal para o resto de sua vida, esse velho no leito de morte diz que irá abençoar seu casamento e deixar toda a herança para sua filha e para ele, se cumprir uma promessa para o resto de seus dias: nunca mais sorrir. Após fazer esse estranho pedido o milionário morre deixando então o protagonista sem muita opção e este resolve seguir à risca o pedido do sogro, porém as coisas acabam saindo do controle.

Para que esta postagem não fique tão grande irei dividir em duas partes, portanto na próxima falo sobre o resto das hq’s que compõe o álbum Plano de Voo.
E claro, se ficou interessado em conhecer de perto e ler essas hq’s, ela está à venda na loja virtual do meu site .

7 de maio de 2018

OS CAMINHOS DIVERSOS DE UM PERSONAGEM JÁ NO FIM


 
Sequência de "O santo sangue" com arte de Marcel Bartholo, a ser lançado no segundo semestre
            Já comentei algumas vezes neste blog sobre os curiosos caminhos que uma criação leva ou no caso desta postagem de hoje, um personagem. Muitas vezes ele segue por trilhas diferentes do que originalmente havíamos concebido, isso eu digo, independentemente de sua popularidade. O personagem Vérnio, um matador já com sua idade um pouco avançada, com uma aposentadoria longe de acontecer, vivendo num universo que mistura sertão e outros elementos não tão ligados entre si, foi criado em 2012 para uma hq curta chamada A história do ovo, publicada na edição 11 da revista Café Espacial (publicada pela Associação Café Espacial), nesta história o leitor é apresentado a essa matador que tem a missão de levar uma pequena caixa de um vilarejo destruído após o ataque de bandidos para um outro vilarejo. O trabalho lhe é dado por um bruxo à beira da morte que o contrata para levar a seu irmão, outro bruxo, a tal caixa. No caminho ele passa por algumas provações que testam sua fidelidade a seu objetivo, até enfim chegar ao vilarejo. Vérnio é quase um simbolismo, pelo menos essa foi minha primeira intenção, do ser humano em si, sempre à beira da compreensão do simples e necessário para que se viva em paz consigo e com o resto, porém sempre tropeçando e caindo em seus princípios. Daí a lição vivida na “aventura” não é aprendida, apenas vivida, não assimilada, e assim segue adiante envelhecendo e com sua espingarda cada vez mais pesando em suas costas. Vérnio, um homem velho, cansado, preso ao seu início, ao que lhe foi formatado e se auto formatou, sem entender que tudo sempre muda. Foi dentro deste preceito julguei que esse personagem caberia numa aventura maior, num álbum.
Primeira versão não finalizada com cores de Omar Viñole
             O santo sangue foi escrito há uns cinco ou seis anos, não me recordo agora, e trazia o personagem num outro momento, completamente desassociado da primeira hq. Desta vez é contratado por um rico fazendeiro para matar um misterioso ex-funcionário que segundo ele, havia tirado a virgindade de sua única e querida filha e lançado uma maldição sobre ela, só que tal maldição na realidade mostrou-se um benefício para o humilde povo da região: todos os dias durante algumas horas, Lucem (a filha do fazendeiro) sangra, um tipo de menstruação constante e ininterrupta e este sangue expelido da moça tem poderes curativos, trazendo milagrosas curas para as pessoas que a ela procuram. Inconformado com tudo isso pois sua fazenda havia se tornado um lugar de peregrinação, além de tudo, este fazendeiro põe o matador, Vérnio, atrás desse suposto malfeitor de sua filha. Mais uma vez, o matador irá passar por confrontos colocando à prova várias questões, inclusive coisas relacionadas a sua história pessoal. A hq começou a ser desenhada por mim há alguns anos atrás, com cores e arte-final do Omar Viñole, parceiro de outros trabalhos meus (Yeshuah, Histórias do Clube da Esquina, Auto da barca do Inferno, etc.), porém o trabalho acabou não tendo continuidade por alguns fatores, entre eles a produção de outro projeto, Cadernos de Viagem, lançado em 2016. E é aí que entra o talentosíssimo artista Marcel Bartholo: conhecido meu há alguns anos, vem se enveredando nos quadrinhos há pouco tempo e com resultados surpreendentes e foi em uma das conversas, acredito eu, em um dos eventos de quadrinhos do país que lhe propus uma parceria, desenhar um roteiro meu. Marcel aceitou o convite de imediato e não 
O artista Marcel Bartholo
houve dúvidas sobre que texto lhe passar, O santo sangue, o estilo de sua arte, seu traço, seu acabamento, quase como um Portinari (comparação quase no mesmo nível, creiam) dos quadrinhos, era a linha visual que esse roteiro pedia e mais ainda, o protagonista, o velho matador Vérnio precisava. Mesmo tendo apresentado A história do ovo e as páginas finalizadas da primeira versão de O santo sangue, Marcel trouxe toda uma roupagem nova para esse universo e principalmente dando uma visão pessoal ao personagem, dando sem dúvida nenhuma, a cara definitiva ao personagem. Aí, chego no ponto de partida deste texto quando comentei sobre os curiosos caminhos de um personagem. O santo sangue, será lançado agora no segundo semestre pela editora Marsupial no seu selo de quadrinhos, a Jupati. Será o primeiro trabalho de Marcel Bartholo dentro de um esquema editorial e de maior penetração (anteriormente havia lançados trabalhos de forma independente) e com certeza, será uma imensa satisfação trazer para vocês mais essa andança do velho matador, agora sim, definido em suas indefinições do viver. Curioso pensar no final disto tudo, que talvez a aposta tenha sido muito mais da minha simpatia pelo personagem do que um sucesso que ele tenha obtido anteriormente, embora agora esteja tomando uma estrutura melhor, digamos assim. Ah, claro, e se depois desta teremos outras histórias? Só o tempo e as vendas (rs...) poderão dizer, mas se for o caso e o Marcel topar, será com ele conduzindo com suas fortíssimas e vigorosas imagens com certeza.
Primeira aparição do matador Vérnio em "A história do ovo", publicada na edição 11 da revista "Café Espacial"