29 de janeiro de 2013

TRILHA SONORA E INSPIRAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA EM QUADRINHOS Parte 1


              Entre 1987 e 1990 produzi uma hq de 85 páginas intitulada “O duelo”, publicada se não me falhe a memória em 1992 pelo editor independente e estudioso do universo dos quadrinhos Edgard Guimarães. Na ocasião tratou-se de um projeto ousado, de certa forma, pois não existia possibilidade nenhuma de se publicar uma hq nacional nesses moldes, sem cogitação, nem mesmo de forma independente, pois, a maioria dos editores alternativos faziam suas edições à base de xerox e mesmo aqueles que ousavam publicações impressas, se limitavam a poucas páginas. Enfim, só em 1992 que o Edgard aventurou-se a lançar esse meu trabalho, o qual admirava muito, por sinal, dentro de um esquema de edição que havia criado.
           “O duelo” conta a história de um anjo e um demônio que sob a forma humana, chegam numa pequena cidade do interior de São Paulo no final dos anos 50, lá acabam se envolvendo com algumas pessoas locais e principalmente com uma mesma mulher, gerando então a metáfora do quadrinho: a quem o elemento humano deve pender, Deus ou o Diabo. Além de o assunto ser algo perene em meu trabalho desde então, questões espirituais, a fonte que primeiro me inspirou a fazer essa hq na ocasião foi o filme “Coração Satânico”, policial noir com pitadas fortes de terror com o então galã Mickey Rourke fazendo um detetive particular e Robert De Niro fazendo o próprio “coisa ruim”. Filme fantástico do diretor Allan Parker que me tocou profundamente em vários sentidos, difíceis de explicitar para vocês, mesmo hoje, passado quase 30 anos. Foi a partir desse primeiro impacto inicial que resolvi produzir algo nesse clima numa HQ longa, era jovem e sonhador, como muitos, e não pensava em como esse quadrinho seria publicado, queria era parir aquela ideia. Naquele período ainda eu estava obcecado também por um outro filme lançado alguns anos antes e um Cult absoluto: “Blade Runner, o caçador de androides” do diretor Ridley Scott e tendo Harrison Ford como protagonista, também um policial noir só que passado num futuro não muito distante, 2019, e... bem, estamos quase lá! Somando e fechando a trindade, fazia sucesso na época a música “Faroeste Caboclo” da Legião Urbana e, foi nesse período também que descobri os filmes western spaghetti, principalmente do Sergio Leone e obras também absolutas como “Era uma vez no Oeste” e “Três homens em conflito”. Como acontece em todas as descobertas, eu vivia em estado de estupefação com o “descobrimento” de todas essas maravilhas.
           Durante os três anos em que trabalhei nas 85 páginas desse quadrinho (na época trabalha como empregado, então os desenhos só aconteciam nas horas de folga mesmo), as trilhas desses dois filmes, “Coração Satânico”, “Blade Runner” e a música “Faroeste Caboclo” rodavam direto na minha... vitrola... sim, eram anos 80, lembrem-se disso, e foram a trilha dessa hq, embora à princípio possa parecer uma mistura discrepante, aquilo tudo na minha cabeça funcionava como elementos de tremendo tempero, dosando climas e mais climas dentro daquela hq, desde o tom soturno, às vezes tenebroso, ou até cool de “Coração Satânico” ao clima charmoso, romântico e aventureiro de “Blade Runner” e o rock’n roll com pitadas cowntry, porém bem brasileiras de “Faroeste Caboclo”, que além de tudo, contava sobre um duelo que fechava a canção, daí talvez o título do meu quadrinho, embora não tenha hoje a absoluta precisão se realmente foi isso que inspirou a ideia para o nome.
           A experiência de produzir “O duelo” naqueles anos, foi extremamente enriquecedora para um cara que na ocasião sonhava com possibilidades e mais possibilidades que os quadrinhos poderiam ter, por sinal, eu e mais uma enorme leva de desenhistas, claro, coisa que só alguns poucos anos atrás se mostraram possíveis e ainda se está construindo essas possibilidades, porém, possibilidades palpáveis e com horizontes à frente. Mas enfim, a experiência desse trabalho trouxe-me a compreensão de agregar outros elementos ao processo de criação, como a música, que é peça fundamental para embalar toda a fase do trabalho.
           Esse tipo de aclimatização na hora de trabalhar é comum para muitos desenhistas, e aí cada um opta por aquele tipo de música que mais lhe agrada, rock, samba, MPB, seja lá o que for, ou mesmo o silêncio, não importa como, o que conta sempre é o resultado que a obra produzida deve ter e alcançar.
            Na próxima postagem comentarei mais um pouco com vocês sobre quadrinhos e suas trilhas sonoras, falando especialmente sobre Yeshuah e a safada Tianinha.

Um comentário:

Gilberto Queiroz disse...

Bela postagem, Laudo! Bacana ler sobre processos de criação e memórias dos desenhistas, especialmente de uma época tão próxima e ao mesmo tempo tão diferente da atual.
Grande abraço,