29 de março de 2011

A BARCA DO INFERNO III: UMA PRÉVIA

Acredito já ter dado uma boa explicada sobre esse meu novo trabalho que breve será lançado: a adaptação para os quadrinhos de "Auto da barca do inferno" de Gil Vicente, pela Editora Peirópolis, dentro da coleção Clássicos em HQ's. Falando isso para os desavisados que ocasionalmente não leram as duas postagens anteriores. É possível.
Nesse rumo todo, atravessando o caminho, veio uma proposta interessante: participar da revista literária "Pessoa" com uma hq de quatro páginas sobre Gil Vicente. A hq teria roteiro do Delfin, jornalista e responsável entre outras coisas, pelo design da revista e contaria uma situação fictícia tendo Gil Vicente como protagonista numa situação anterior à criação de seu texto mais famoso, o tal "Auto da Barca do Inferno".
Na história, Gil chega a uma taverna na província em que morava em Portugal e lá depara com todas as figuras que posteriormente eternizaria no seu auto: o judeu, a cafetina, o agiota, o padre e sua amante, os cavaleiros templários e é claro, o próprio diabo, aqui se apresentando como... Lúcio.
Dentro do alvoroço da taverna a discussão é sobre o desejo de sucesso de um tal Pedro Àlvares Cabral empreendendo uma viagem às Índias, o qual todos os presentes julgam ser um tremendo equívoco por parte do navegador lusitano. Vale dizer que Cabral foi contemporâneo de Gil Vicente. É à partir daí que o bem bolado roteiro do Delfin parte para uma excelente amarra no final. Claro que não contarei, leiam a hq.
E partindo desse enredo, para mim, estava óbvio que esse quadrinho funcionaria de certa forma como uma prévia para o àlbum a ser lançado com a adaptação e ainda dentro desse raciocínio, optei em usar os mesmo visual dos personagens usados para o "Auto da barca do inferno". Ficaria e ficou, pelo menos ao meu ver uma combinação perfeita. As duas hq's definitivamente estariam ligadas.

O trabalho foi uma parceria da Editora Peirópolis com a revista Pessoa e pode ser encontrada em todas as bibliotecas do país ou pela versão on line.

No resto, é aguardar o lançamento e por enquanto saboreiem, esse petisco.

15 de março de 2011

A BARCA DO INFERNO II

Continuando o papo com vocês falando sobre a adaptação para os quadrinhos do texto clássico do escritor português Gil Vicente , "Auto da barca do inferno".
Conforme comentei na primeira parte desta postagem, em uma reunião que fiz na Editora Peirópolis com Luciana Tonelli, coordenadora da coleção "Clássicos em HQ" ao qual a adaptação da barca fará parte e Maurício Soares Filho, Consultor Literário dessa coleção, chegamos a definição que era impossível adaptar o auto, pois por se tratar de um texto todo escrito em versos, qualquer tipo de adaptação, mataria a obra original, algo, óbvio, que não se poderia fazer de maneira alguma.
Por não se tratar de um texto longo, era viável fazer essa transposição para os quadrinhos, sem perder a cadência de uma boa narrativa de hq e também manter a fidelidade ao texto original e maravilhoso de Gil Vicente.
Como disse, anteriormente, a casa editorial, a Peirópolis, deu total liberdade para criação desse trabalho, assim claro, como foi feito aos outros autores dessa coleção, no caso. Nessa mesma reunião com a Luciana e o Maurício Soares, alguns pontos sobre a questão visual dos personagens, também foram definidos. A sintonia das idéias entre nós foi tanta que, pouquíssima coisa, pouca mesmo, foi mexida. O Maurício, que além de consultor literáro da coleção, é bacharel em interpretação  tetral pela Unicamp, especialista em direção teatral pela Middlesex University de Londres, autor de literatura pelo Sistema Anglo de Ensino , onde também é professor, dá aulas regularmente no Colégio São Luís e é apresentador do Programa  "Fala fera" da TV União em São João da Boa Vista, entre muitas outras coisas em seu currículo, entendeu perfeitamente qual era minha proposta para essa quadrinização na questão visual dos personagens e nosso papo foi fundamental para fechar o assunto. Em pequenos detalhes do texto do Gil Vicente, sua explicação definiu alguns personagens como o protagonista, o diabo, ou o antagonista , o anjo.
O personagem do diabo nesse texto e em especial nessa adaptação é longe da visão aterrorizante de uma história de terror ou mesmo dentro dos dogmas católicos, na verdade,  como o recepcionista e condutor das pessoas que com ele embarcarão na derradeira viagem ao inferno, é quase cômico, ou satírico, termo melhor, pois sabe que todos irão consigo, mesmo que inicialmente, essas almas acreditem que para o céu irão. O diabo então, deixa eles, durante alguns minutos, acreditarem nisso, armadilhas do ego, para que depois da ilusão desfeita pelo condutor da barca do céu, o anjo, voltem conformados com a situação final para então, à barca do inferno irem. Claro, ele se diverte com toda essa situação.
As figuras que por essa cais passam, o fidalgo, a alcoviteira e cafetina, o agiota, o padre, e mais alguns outros são, reflexos de uma sociedade da época em que Gil Vicente escreveu e que infelizmente ainda persistem hoje, com força. Nada mudou. O texto de Gil é direto e carregado de críticas às vezes sutis e às vezes não tanto. A figura do diabo então, brinca com tudo isso, pois ele conhece a alma de cada um, merecedores absolutos de seus lugares no inferno.
Não preciso dizer o quanto foi saboroso trabalhar com esse personagem, com esse texto.  Algo como se fosse uma parceria mesmo, algo autoral. E uma presunção, me desculpem, Gil Vicente-Laudo, mas assim foi.
Outros personagens, como o anjo, baseei-me no anjo do clássico filme do expressionismo alemão "Fausto". Acho que está tudo ali nesse filme e como disse, fui lá beber de inspiração também.
Outros personagens, como o Parvo, o bobo, veio de alguns quadros de Hieronymus Bosch, onde se vê muitas figuras dentro de cenários fantásticos que esse artista holandês criou, mostrando muitas pessoas com expressões entre a loucura e a razão e é lá que vi o meu Parvo desse quadrinho.

Claro, toda essa paixão pelo texto de Gil Vicente, não veio somente agora com a proposta dessa adaptação, nada disso, é história muito mais antiga. Minha esposa, Romana Flora, atriz, durante muitos anos trabalhou numa das montagens mais conhecidas desse texto, feita pelo Grupo Dragão 7 e lá sim, foi quando conheci esse texto e fui aos poucos saboreando esse jogo de idéias. Aliás, foi minha esposa que muito me ajudou também no melhor entendimento da obra e do texto, literalmente, pois é escrito num português antigo, por vezes difícil de entender.
Na próxima postagem, a última sobre essa adaptação, falo da idéia em si da obra em quadrinhos e de um "apêndice" feito para revista "Pessoa", a hq "Gil Vicente" que servirá como um antepasto para a edição.



10 de março de 2011

RABISCANDO NA CASA DA SOGRA

Eu sei que devo a vocês a segunda parte sobre minha adaptação para os quadrinhos do "Auto da Barca do Inferno", mas o tempo anda (pra variar) demasiadamente curto, e aí, para falar mais um pouco para vocês é preciso mais... calma... para melhor deixar as idéias fluirem. Vocês, claro, entendem o que digo.
Mas para não ficar com abismos nas postagens aqui, trago para vocês uns rabiscos que fiz no final de 2010 na casa de minha sogra. Sim, a casa da sogra pode inspirar algumas coisas.

Minha sogra mora no interior, na cidade de Jaboticabal, próxima a Ribeirão Preto. Terra muito, muito quente e no final de ano (período em que fiz esses desenhos ) a coisa vira o caldeirão do inferno. Numa próxima, mostro uma visão do meu estado plenamente encalorado. Por enquanto, fiquem com pedacinhos da casa de dona Branca, ela mesmo, a querida sogra.

3 de março de 2011

A BARCA DO INFERNO I

            Adaptações de grandes obras da literatura é um dos seguimentos mais fortes dentro do panorama das histórias em quadrinhos nacionais. Muita coisa tem se feito já há algum tempo. Muita coisa de primeiríssima qualidade. Eu mesmo, já produzi alguma coisa como "O elogio da Loucura" para Escala Educacional, numa parceria com o André Diniz, autor do roteiro adaptado. Trabalho ímpar, delicioso de se fazer, pela atualidade deste texto e do humor que transcorre por ele todo.
            No ano passado, em conversação com as meninas da Editora Peirópolis (Renata Farhat Borges, diretora editorial da Editora Peirópolis e idealizadora desse projeto de adaptações para quadrinhos, e Luciana Tonelli,  coordenadora da coleção) , novamente me vi envolvido com um novo projeto de adaptação para quadrinhos de um texto literário.. Porém, desta vez quem apresentou a proposta fui eu: levar o clássico texto teatral "Auto da Barca do Inferno" do escritor português Gil Vicente para as hq's, numa adaptação moderna, livre, porém, claro, fiel ao texto original.
           Conhecendo outras obras lançadas pela editora, como "Dom Quixote" do Caco Gualhardo, "O corvo" do Luciano Irrthum, "Demônios" do Guazzelli, tinha uma excelente premissa de como a Peirópolis lidava com adaptações para quadrinhos de clássicos, tanto pela questão mais técnica, da edição, quanto da artística, pelos autores selecionados e principalmente pela liberdade, permissão concedida aos mesmos na realização da empreitada de transpôr a obra para hq.


            Vale destacar, pelo menos dentro do meu parecer que, há de certa forma, uma semelhança entre o texto mencionado anteriormente de "O elogio da loucura" e "Auto da barca do Inferno" e que, me desculpem historiadores e estudiosos de literatura, caso esteja cometendo um tremendo equívoco,  foram mais ou menos escritos num mesmo período de nossa história. Acho, volto a dizer.
           Tanto um como o outro descorrem uma mordaz sátira à sociedade contemporânea de seus autores, o que vamos então constatar que em quase nada mudou, passando lá seus quinhentos anos de escrita. No caso mais específico do Auto da Barca do Inferno, desfilam vário tipos da sociedade como o fidalgo, o agiota, a cafetina, o padre, o cidadão que morre em nome de um lugar ao paráíso, entre outros, todos já falecidos e que, chegando a um indeterminado cais, onde estão duas barcas, uma que irá para o céu e outra para o inferno, julgam, óbvio, que irão para os campos divinos. Nada mais atual. Nada mais moderno e daí, o grande tesão, não há outro termo melhor, que poder trabalhar numa adaptação desta, com gosto de quem irá produzir um quadrinho autoral, ou com um parceiro roteirista como um Gil Vicente.


           Com carta branca da Editora para fazer a adaptação, sentamos, eu a editora Luciana e um professor de literatura  para discutirmos pontos do texto. Na verdade, não poderia se fazer uma "adaptação do texto", pois "Auto da barca do inferno" é um "auto", um texto escrito em rimas, com métrica, mexer nessa arquitetura é definitivamente destruir a obra. A opção era transpôr na íntegra o texto e como não se tratava de algo longo, não traria dificuldades.
    
           Na próxima postagem, comento com vocês sobre o desenvolvimento dos personagens.