22 de junho de 2021

QUAL É A CARA DO SEU PERSONAGEM ? pt. 01

             Hoje quero começar a postar aqui, pois provavelmente não poderá ficar mesmo somente nesse texto, uma conversa sobre criação de personagens e suas características físicas. Passo obviamente fundamental no processo de criação de uma História em Quadrinhos, e, dependendo do que será feito, pode acrescentar valores enormes ao roteiro, vai se tratar da caracterização de personagens que com certeza deixará o roteiro, de um parceiro ou seu mesmo, muito mais rico. É claro, que há estilos fantásticos de desenho que dispensam essa preocupação com características físicas, pelo seu traço em si que dispensa isso e está tudo perfeito. Mas quando se trabalha com variados tipos de desenho, estilizado, cartunesco, realista, esse ponto é importante. E se por caso não tenha feito isso ainda em suas hqs, pare um pouco e pense sobre o que seus personagens pedem no roteiro e como isso irá se transformar em imagem, e principalmente como isso pode transformar o roteiro, a história em gênese apenas no campo textual. 

            Geralmente é muito mais interessante no aspecto criativo, você trabalhar com o papel em branco, ou monitor, ipad, seja lá qual ferramenta for usar - lápis, mouse ou caneta digital, como disse tanto faz, pois é sua cabeça e sua criatividade. Quem trabalha com uma linha realista alicerçada referências fotográficas, vale sempre, porém, mais uma vez, buscar suas referências nos seus arquivos mentais, sempre é mais... saudável.

Sequência da minissérie "Depois da meia-noite"de 2007. Personagens criados à partir de referência fotográfica.


             Com o roteiro em mãos, vamos procurar então trabalhar no corpo, na fisionomia e nas roupas dos personagens. Mesmo que não exista tanta dica no texto, é importante criar um perfil psicológico do personagem e daí pensar em como ele irá se vestir e principalmente qual será sua aparência. Se há um parceiro como roteirista, procure conversar bastante com ele e ver as perspectivas dele desses personagens, lembrando que num caso assim, eles foram gerados inicialmente pelo seu parceiro escritor. Particularmente, e é  óbvio que é uma opinião de muitos, que o escritor precisa ter o entendimento que está fazendo uma parceria, roteiro - arte, que se trata de uma obra feita à duas mãos, não existe a possibilidade de ser um viés só. Se por ventura, o roteirista for tão absoluto em suas ideias que não deixa espaços para o desenhista criar, pode ter um comprometimento muito negativo em si, pois por mais que se tenha uma plena visão do que criou, esse parceiro desenhista - e vale aqui lembrar que a história em quadrinhos será conduzida por ele- o criador das imagens, ou seja, quando o leitor pegar a publicação o que irá ver primeiro é justamente as imagens e não o roteiro. Portanto é importante que deixe o artista trazer sua visão, ela pode trazer temperos novos e enriquecedores. Pensando inclusive que ele quer contribuir para que a obra cresça, pois afinal de contas, o nome dele vai junto.

         

A personagem Tianinha em sua primeira fase 
no início dos anos 2000, com visual feito
à partir de referências fotográficas.

  Já passei por vários estilos em meu desenho e sempre que vou produzir uma hq, antes de qualquer coisa, roteiro pronto, meu ou de parceiro, vou trabalhar com elenco. É através dessa visualização das peças deste tabuleiro, a história que irei conduzir, que irei criar a postura a ser desenhada desses personagens. Existem elementos que podem ser acrescentados  dentro do que esse personagem pede. O que? Primeiramente entendendo que é importante ter um leque de possibilidades para se pensar visualmente esse personagem, procurando sair um pouco das óbvias expectativas. Um exemplo bem básico é o homem branco bonito, pescoço grosso, rosto quadrado, nariz pequeno... percebe? O bom e velho estereótipo do herói... do herói americano... Se a história pede isso, tudo bem, mas só se pede, porque há infinitas possibilidades de se trabalhar nisso, criando algo bom sem repetir fórmulas feitas inúmeras vezes, e pense, nesse caso, o leitor, seu objetivo, já viu isso milhões de vezes, então quando for criar algo, pense nele, o leitor, é para ele que está criando, pense em variar esse tempero que enfim, pode ser apreciado.

           Como disse, essa conversa não poderia ficar numa única postagem. Acho que esse último ponto vale ser mais esmiuçado, que acha? Próxima semana?

Personagens de uma hq do livro "Mojica móveis" do roteirista Bruno Sorc, criados à partir de conversas e referências com o mesmo





15 de junho de 2021

UMA AVENTURA EM OUTRA IDADE DA PEDRA

 

            Há alguns poucos anos atrás me propuseram uma hq longa para um projeto de edição de um álbum, dessa proposta nasceu “Clã da Caverna do Medo”, uma história ambientada no período da pré-história, sem no entanto ter uma demasiada preocupação com fidelidade a esse ou aquele período da evolução humana. Basicamente a trama consistia numa tribo já habitando casas construídas de madeira e palha (mas também existiriam as que ainda morassem nas cavernas), que seriam fatalmente atingida por um chuva de meteoros. Sem conhecimento do que de fato estava ocorrendo e, por julgarem um tipo de vingança dos deuses da natureza destruindo a humanidade, se refugiam nas cavernas, obviamente tentando escapar desta ira dos deuses. Escondidos na caverna são surpreendidos por uma tribo misteriosa de Homens-Jacaré, que até então não se sabia ao certo de sua existência. A tribo julgando ter o mundo acabado não tem outra opção a não ser tornar-se escrava desses seres. Os anos vão passando, a tribo agora vive no interior da terra, sem nunca mais ter visto a luz do sol, escrava dos Homens-Jacaré, construindo templos e cada vez mais se aprofundando no interior da caverna. Até o dia que uma jovem, escapa e acaba descobrindo que tudo foi uma falácia dos seres reptilianos para fazer seu povo de escravos. Enfim, essa era a base da história para o projeto. A única questão é que o projeto acabou sendo abortado.


Darkla e Lobo Pai, líder do clã da heroína 



              Há algum bom tempo até então, não havia trabalhado com a ideia de uma História em Quadrinhos alicerçada na boa aventura. Claro, havia lá suas reflexões, metáforas da realidade, mas basicamente o que existia era uma boa aventura. Na dúvida de ter ou não um bom enredo, encaminhei a sinopse para alguns amigos também artistas dos quadrinhos, para ter uma certificação da qualidade, o que fui muito bem sucedido pela aprovação, porém a ideia foi pra gaveta. Nesses anos todos de produção de quadrinhos, um dos méritos que gosto de contar é de justamente não possuir material de arquivo. As ideias e mesmo os quadrinhos prontos acabam de alguma forma ganhando vida e sendo publicados. Um tempinho de hibernação na sua própria caverna, “O clã da caverna do medo” recentemente veio ao mundo, não como foi concebido originalmente em termos de personagens e em alguns pequenos detalhes da sinopse, razoáveis mudanças, sem alterar seu conteúdo.Por exemplo, o protagonista que era um macho alfa daqueles clássicos, se tornou uma jovem descobrindo o mundo, seus sentimentos e seus perigos, tudo misturado. A essa jovem heroína dei o nome de Darkla e acrescentei no título, ficando “Darkla e o Clã da Caverna do Medo”. Demorou um tempinho, mas a história e seus personagens criaram vida.

             

Os terríveis Homens-Jacaré, lenda que se trona real

  A hq foi produzida e será apresentada em capítulos na revista “Atomic Magazine” lançada recentemente pela editora Atomic Magazine, localizada em Palhoça, Santa Catarina, de Marcos Freitas, velho conhecido dos tempos dos fanzines dos idos anos oitenta e noventa. Trata-se de um álbum de publicação quadrimestral trazendo material inédito de um time de primeira: Law Tissot, Gazy Andraus, Edgar “Cyberpajé” Franco, Emir Ribeiro


Filme clássico com a musa Raquel Welch,
uma referência para o clima da HQ
Como disse, a hq não se detém a algum período histórico da humanidade, por isso permite liberdades, tanto de tribos que moram em cavernas, como as que já  moram em aldeias, assim como animais gigantescos criados para história. Darkla, é a heroína num mundo enraizado na força masculina (sim, alguma mudança até hoje??) mostrando o seu poder, mas por outro lado há também uma força feminina atuante como defensora e caçadora da tribo. Tudo se mistura para uma descoberta dos leitores. Uma referência pop para a hq em si é um clássico filme da musa sessentista Raquel Welch, “One milion years BC”, que também abusava das liberdades para contar sua história. Aliás, se não conhece e gosta d’uma sessão retrô, é uma ótima dica para uma sessão pipoca.

             A primeira edição já está à venda na página da editora, o link está aqui.  

7 de junho de 2021

A JORNADA HERÓICA DE TODOS NÓS

            Algo que sempre chamou atenção das pessoas que gostam e seguem meu trabalho é a possibilidade de produzir histórias das mais variadas linhas – terror, drama, aventura, espiritualismo, erótico ...-, e confesso que na primeira vez (se é que realmente me recordo quando) que me chamaram atenção disso, soou estranho pois era plenamente natural esse trânsito entre gêneros, ou seja, não existia barreira mostrando que não havia o por que de trabalhar em determinado tipo de história. Realmente não pensava nisso. Naquele período, talvez tocado pela observação, me pus a refletir sobre, na tentativa de compreender mais sobre meu trabalho. Nada que me tomasse dias, noites de sono e permanecesse martelando na minha cabeça, mas a questão era peculiar e carecia de um tipo entendimento. Um bom tempo depois larguei esse questionamento sem ter uma resposta, acho, mas o fato é que por ser um artista puramente intuitivo, não fazia sentido tentar compreender algo que me era natural. A mim não cabia essa análise, pois ao longo de minha carreira, pouco ou mesmo, quase nada me detive a coisas desse tipo. Faço o que quero e pronto. Simples assim. 
Pequeno herói no traço do
meu filho Gabriel
             O fato é que nas minhas influências primeiras fui gerado pela aventura, a leitura em si era um portal para universos aventureiros. Eram os gibis dos heróis clássicos, de essência pura dentro do óbvio propósito (só muitos anos depois veio o anti-herói), Mandrake, Flash Gordon, Principe Valente, Jim das Selvas, Tarzan... eram alguns deles, uma infinidade e claro, tinha a leitura dos romances, esses talvez foram o que abriram as portas da percepção para a experiência da criatividade, pois são os que “forçam” seu cérebro à criar o campo imagético do sonhar. Júlio Verne... Robert Louis Stevenson... Zane Grey... Victor Hugo... Alexandre Dumas... Daniel Defoe... Monteiro Lobato... Enfim, essas foram as bases. Antes de qualquer profunda reflexão em uma história, antes de qualquer coisa que precisa ser dita, antes de qualquer luta que precisa ser assumida, há o contexto da aventura, da grande aventura humana, mesmo que passada numa rua de um bairro de uma pequena cidade. A aventura interna que os heróis propiciam em suas aventuras externas. E digo, heróis não só os fortões anabolizados e lindos, falo daquele sujeito franzino, de bermuda e camiseta já meio desbotada, descendo d’um ônibus qualquer, também. 
             Dentro da experiência do viver, do caminhar, percebemos às vezes e, para isso é fundamental estar atento e disposto às percepções por mais que doídas às vezes, que tudo é circular. Tudo é cíclico. Muitas vezes quando voltamos ao ponto lá de trás não significa que retornamos ao início, pois não é possível, enfim, fizemos já toda essa trajetória aí quando por esse ponto inicial voltamos, percebemos melhor, mais maduros, mais deliciados com aquilo que até agora fizemos, mesmo que muitas, muitas vezes tenhamos na nossa bagagem a decepção, o desapontamento, o sentimento de derrota, estampado em nossa bota de caminhada. Precisamos sentar e entender isso. 
             Mas do que realmente estou falando?? Simplesmente tentando externar um longo processo de vários ciclos ao qual dispenso detalhar as glórias e as decepções. Qual o elo com a questão do transitar com a aventura dos heróis que lá atrás tanto inspiraram? Justamente o sabor de simplesmente aventurar-me no puro sabor dela, olhar a prancheta, o papel em branco e contemplar as infinitas possibilidades. Algo que com o passar de tantos anos de carreira nos quadrinhos e na ilustração eu havia deixado se metamorfosear em outra coisa que a armadura de uma suposta maestria gosta de adornar em si. E vamos perdendo a percepção inicial do que nos motivou a chegar até aqui e mesmo a percepção renovada de quando passamos novamente pelo ponto de partida. Vem tantos sentimentos juntos, tantas ilusões, tantas decepções que às vezes deixamos o núcleo do sentido adormecer. Percebeu isso já? 
             Então, quando a gente zera tudo, aceitando que deixou-se turvar no meio do caminho, é que as coisas vão se limpando, porque não ficou nada mais para guardar tantos sentimentos. É deixar, sem nenhuma reflexão, apenar perceber e observar. A gente só busca o novo. Nem renovar-se, apenas o novo. É assim que livres dos miasmas que colhemos com suposições de nossa arte, estamos prontos para servi-la e ela a nós no melhor dos sabores que podemos ter, a pura aventura.

Flash Gordon, criação clássica de Alex Raymond. Um dos aventureiros iniciais.



Na realidade eu ia escrever sobre uma nova hq minha chamada “Darkla e o clã da caverna do medo”, lançada recentemente na primeira edição da revista “Atomic Magazine”, da editora Atomic, mas acho que era melhor contemporizar vocês com um atual tão bom estado de espírito. Na próxima semana falo sobre a história.