26 de setembro de 2023

ADAPTANDO UM CLÁSSICO NACIONAL

  




Um exercício de criatividade que a mim sempre foi muito interessante é o de poder trabalhar com ideias pré-concebidas ou propostas de temas, acho até que essas duas possibilidades de alguma forma se assemelham. Assim foi com hq’s produzidas para várias revistas como Café Espacial, Clássicos Revisitados, Mestres do Terror e claro, Ménage, gibi produzido de forma independente com os amigos e tremendos artistas Marcatti e Germana Viana. Breve prometo falar sobre esta publicação. A coisa toda merece.

            Tenho feito ao longo dos anos adaptações de vários clássicos da literatura brasileira e mundial, um dos mais conhecidos e vendidos é a versão que fiz de O auto da barca do inferno do Gil Vicente, lançada pela Editora Peirópolis, que aqui no meu blog há mais de uma postagem contando alguns passos do processo. A ideia de trabalhar sobre um texto clássico é por si só desafiadora e torna-se mais ainda quando é preciso colocar uma marca pessoal nesta adaptação mesmo que honrando absolutamente a história, o texto original. Há alguns poucos anos atrás, a editora Renata da Ateliê da Escrita procurou-me interessada em que eu produzisse uma adaptação de um clássico da literatura brasileira para os quadrinhos. Um delicioso bate-papo sobrevoando as infindáveis obras do panteão de autores nacionais acabou aterrissando em um convite à princípio para mim inusitado que seria trazer para a narrativa sequenciada dos quadrinhos a obra Iracema de José de Alencar. E neste primeiríssimo instante a minha

cabeça pensou e acredito num segundo depois externou a certa marra que este livro trouxe consigo, principalmente entre os jovens de vários períodos, o  de se tratar de uma leitura muito difícil, rebuscada, claro pelo período em que foi escrita e ligada, o movimento literário romântico, onde esta era uma das características fortes. Mas, profissionalmente a proposta foi aceita e como sempre faço, busco achar no trabalho encomendado um ou mais pontos onde a minha parte autoral, criativa, possa se encaixar para que a obra saia com toda honestidade possível.

           Li Iracema quando tinha meus quinze anos, um pouco mais, um pouco menos, talvez, claro dentro de trabalhos escolares e coisas desse tipo. Nessa releitura para a produção da hq e principalmente feita com olhos de alguém que já labuta há muitos anos na contação de histórias desenhadas e, creio eu, com a sensibilidade um pouco mais aguçada, toda a história da índia Iracema, filha do pajé de sua tribo e seu amor pelo soldado português Martim, veio de uma fantástica forma nova e até certo ponto inusitada cheia de possibilidades narrativas para sua adaptação. Isso obviamente trouxe a euforia do ineditismo de uma criação pronta para ser feita. Uma nova leitura da obra foi feita para assimilar melhor a história e trazer mais possibilidades, uma pequena pesquisa tanto na escrita como no audiovisual sobre a obra e seu criador e pronto, estava tudo formatado. Em reunião com a editora trouxe alguns apontamentos sobre a obra, sempre pensando na adaptação e para todas as possibilidades de leitores. Isso é fundamental: pensar sempre em quem vai ler, pois é para eles que criamos. Haviam alguns entendimentos curiosíssimos na história de Iracema, como a questão dela ser filha do xamã da tribo e justamente por isso  ser a protetora da bebida Jurema, um chá que tem uma certa semelhança ao Ayahuasca (com certas diferenças das plantas usadas em suas preparações) mas com resultados semelhantes em seu consumo, ou mesmo a diferença do tipo das tribos mostradas na história: uma, a da protagonista, mais mata adentro e outra a rival, mais próxima ao litoral. Lembrando que a história acontece num Ceará nos primeiros anos da descoberta do Brasil. Enfim, diversos pontos, alguns importantes, outros nem tanto assim, mas claro, com sua significância. As cores deste trabalho ficaram nas mãos de Flavio Soares.

            Um ponto fundamental para que o resultado da obra alcance um nível beirando a perfeição, se é que se pode dizer assim, é a confiança da casa que te contrata. Essa confiança permite uma liberdade por parte do autor/adaptador respeitando os pontos importantes à editora, porém prezando a reflexão e o modo que quer contar essa adaptação. 


Iracema é uma história de amor, da inocência de um amor puro e verdadeiro que a tudo sacrifica em nome dele, no caso Martim, o bravo soldado português, também embalado por esse amor dócil, mas sem a maturidade e perfeição que sua amada traz e lhe propõe criarem juntos. Um tema delicado e bonito, embalado por uma grande aventura num Brasil ainda selvagem. O final com a célebre frase “Na Terra tudo passa”, mostra a compreensão da vida e dos rumos que as coisas se seguiram e que assim deveria ser. Uma máxima simples, profunda e perfeita, que confesso ter sido o ponto central, a estrela-guia que me guiou nesta adaptação.



Quem se interessar em conhecer esTe trabalho, basta conferir no site da editora Ateliê da Escrita.

            

            


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