Alguns projetos chegam em um primeiro momento causando uma certa insegurança pelo fato da proposta em si trazer algo novo. Cabe a escolha de aceitar ou meramente recusar, mas é sempre sabido que em alguns casos, óbvio, é enriquecedor aceitar essa nova experiência. Há tantos anos produzindo quadrinhos e pouquíssimas vezes, mas pouquíssimas mesmo, trabalhei direcionado para o público infantil e as ocasiões em que isso aconteceu sempre foi com textos escritos por outros, ou seja, fui só o ilustrador.
Em 2022 a editora Ateliê da Escrita, que é daquelas casas onde além da questão profissional é uma parceira deliciosa e que incialmente havia produzido para o pessoal a adaptação de Iracema, clássico do romantismo brasileiro escrito por José de Alencar , me trouxe a proposta de criar um álbum direcionado ao público infantil e mais especificamente, contando a história Louis Braille, francês criador do método braille lá no século 19. Claro, em um primeiríssimo momento, sim, uma proposta profissional, mas trazendo algo um pouco complexo, posso dizer assim: contar a história de como foi criado um método para cegos lerem, usado no mundo todo, usando linguagem fácil, pois é dirigida ao público infantil e que principalmente tudo isso fique deliciosamente saboroso, legal para a molecadinha ler. Eu, um autor, ilustrador, roteirista de material adulto, às vezes adulto demais, daria conta disso?
A confiança mútua entre profissionais é fundamental, um bom princípio para tudo. A Ateliê apostou plenamente na possibilidade minha de criar esse projeto, e claro que essa liberdade abraçada à confiança, me deixou absolutamente livre para criar todo o projeto. Claro, nesse ponto o autor precisa compreender qual é a
proposta que a casa pretende com esse lançamento, quais são os objetivos que busca, além do público direcionado. Nasceu aí a turminha dos Aventureiros do Faz de Conta em sua primeiríssima aventura O tesouro que não se vê, subtítulo da obra.
Maçã, Maria Carolina, Ulisses, Duga e Teko, formam esses aventureiros que contam ainda com a ajuda fundamental do Tio Júpiter e sua casa voadora chamada Casemiro, uma inteligência artificial, responsável por criar as aventuras que a garotada irá viver e mais ainda, aprender. Nesse primeiro livro, movido por uma situação em que Ulisses irá precisar usar óculos, eles participam de um jogo onde terão que usar suas espertezas, inteligências e outros sentidos, menos a visão que lhes foi bloqueada justamente para terem uma experiência de como é ser um cego, para encontrar um valioso tesouro. E no decorrer dessa aventura de caça ao tesouro vão conhecendo a histórias de Louis Braille, o referido criador do método braile, assim como de José Alvares de Azevedo, também cego e que trouxe o método para o Brasil no final do século 19. Tudo de uma maneira divertida, mas informando.
A escritora cega Maria Helena Chenque participou do projeto, assessorando justamente no ponto fundamental tanto do roteiro quanto da arte que foi me fazer entender, me aproximando o possível do universo dos cegos, suas dificuldades e facilidades. Peça fundamental para a narrativa e tempero da história. Sem ela a história, o roteiro perderia sua verdade, sua autenticidade. Vale ainda contar que as crianças, os personagens, são todos iguais, embora de raças diferentes: negros, brancos, amarelos. Não há um líder nesse grupinho. Não há um mais inteligente: todos sabem e aprendem ao mesmo tempo, e claro, todos querem brincar também, afinal são crianças. Esse ponto, antes mesmo de pensar no enredo foi fundamental para mim, pois na igualdade e respeito, tudo é mais acessível e só abre-se espaço para o aprendizado. A hq contou com as cores da Thaynan Lana, talentosíssima artista, ilustradora e animadora com que eu já trabalhara antes em O vampiro.
Quem se interessar é só entrar no site da editora .
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