7 de junho de 2021

A JORNADA HERÓICA DE TODOS NÓS

            Algo que sempre chamou atenção das pessoas que gostam e seguem meu trabalho é a possibilidade de produzir histórias das mais variadas linhas – terror, drama, aventura, espiritualismo, erótico ...-, e confesso que na primeira vez (se é que realmente me recordo quando) que me chamaram atenção disso, soou estranho pois era plenamente natural esse trânsito entre gêneros, ou seja, não existia barreira mostrando que não havia o por que de trabalhar em determinado tipo de história. Realmente não pensava nisso. Naquele período, talvez tocado pela observação, me pus a refletir sobre, na tentativa de compreender mais sobre meu trabalho. Nada que me tomasse dias, noites de sono e permanecesse martelando na minha cabeça, mas a questão era peculiar e carecia de um tipo entendimento. Um bom tempo depois larguei esse questionamento sem ter uma resposta, acho, mas o fato é que por ser um artista puramente intuitivo, não fazia sentido tentar compreender algo que me era natural. A mim não cabia essa análise, pois ao longo de minha carreira, pouco ou mesmo, quase nada me detive a coisas desse tipo. Faço o que quero e pronto. Simples assim. 
Pequeno herói no traço do
meu filho Gabriel
             O fato é que nas minhas influências primeiras fui gerado pela aventura, a leitura em si era um portal para universos aventureiros. Eram os gibis dos heróis clássicos, de essência pura dentro do óbvio propósito (só muitos anos depois veio o anti-herói), Mandrake, Flash Gordon, Principe Valente, Jim das Selvas, Tarzan... eram alguns deles, uma infinidade e claro, tinha a leitura dos romances, esses talvez foram o que abriram as portas da percepção para a experiência da criatividade, pois são os que “forçam” seu cérebro à criar o campo imagético do sonhar. Júlio Verne... Robert Louis Stevenson... Zane Grey... Victor Hugo... Alexandre Dumas... Daniel Defoe... Monteiro Lobato... Enfim, essas foram as bases. Antes de qualquer profunda reflexão em uma história, antes de qualquer coisa que precisa ser dita, antes de qualquer luta que precisa ser assumida, há o contexto da aventura, da grande aventura humana, mesmo que passada numa rua de um bairro de uma pequena cidade. A aventura interna que os heróis propiciam em suas aventuras externas. E digo, heróis não só os fortões anabolizados e lindos, falo daquele sujeito franzino, de bermuda e camiseta já meio desbotada, descendo d’um ônibus qualquer, também. 
             Dentro da experiência do viver, do caminhar, percebemos às vezes e, para isso é fundamental estar atento e disposto às percepções por mais que doídas às vezes, que tudo é circular. Tudo é cíclico. Muitas vezes quando voltamos ao ponto lá de trás não significa que retornamos ao início, pois não é possível, enfim, fizemos já toda essa trajetória aí quando por esse ponto inicial voltamos, percebemos melhor, mais maduros, mais deliciados com aquilo que até agora fizemos, mesmo que muitas, muitas vezes tenhamos na nossa bagagem a decepção, o desapontamento, o sentimento de derrota, estampado em nossa bota de caminhada. Precisamos sentar e entender isso. 
             Mas do que realmente estou falando?? Simplesmente tentando externar um longo processo de vários ciclos ao qual dispenso detalhar as glórias e as decepções. Qual o elo com a questão do transitar com a aventura dos heróis que lá atrás tanto inspiraram? Justamente o sabor de simplesmente aventurar-me no puro sabor dela, olhar a prancheta, o papel em branco e contemplar as infinitas possibilidades. Algo que com o passar de tantos anos de carreira nos quadrinhos e na ilustração eu havia deixado se metamorfosear em outra coisa que a armadura de uma suposta maestria gosta de adornar em si. E vamos perdendo a percepção inicial do que nos motivou a chegar até aqui e mesmo a percepção renovada de quando passamos novamente pelo ponto de partida. Vem tantos sentimentos juntos, tantas ilusões, tantas decepções que às vezes deixamos o núcleo do sentido adormecer. Percebeu isso já? 
             Então, quando a gente zera tudo, aceitando que deixou-se turvar no meio do caminho, é que as coisas vão se limpando, porque não ficou nada mais para guardar tantos sentimentos. É deixar, sem nenhuma reflexão, apenar perceber e observar. A gente só busca o novo. Nem renovar-se, apenas o novo. É assim que livres dos miasmas que colhemos com suposições de nossa arte, estamos prontos para servi-la e ela a nós no melhor dos sabores que podemos ter, a pura aventura.

Flash Gordon, criação clássica de Alex Raymond. Um dos aventureiros iniciais.



Na realidade eu ia escrever sobre uma nova hq minha chamada “Darkla e o clã da caverna do medo”, lançada recentemente na primeira edição da revista “Atomic Magazine”, da editora Atomic, mas acho que era melhor contemporizar vocês com um atual tão bom estado de espírito. Na próxima semana falo sobre a história.

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