27 de agosto de 2023

PENSANDO NA CORES


   Sou daltônico. Da categoria dos que confunde, troca muitas cores: verde, marrom, azul, rosa, cinza… O caso de ilustradores, desenhistas terem essa deficiência, se é que posso cometer o abuso de chamar disso, não é tão incomum no meio das artes e mais especificamente das hq’s. Um exemplo disso é britânico John Byrne, grande mestre da nona arte, responsável por grandes clássicos da Marvel.  O fato é que ao longo de minha carreira nos quadrinhos, especificamente falando, nunca me preocupei com a questão das cores nos meus desenhos. Primeiramente porque durante muitos anos em que tive parceria com o artista Omar Viñole no Estúdio Banda Desenhada, essa responsabilidade, a colorização, cabia a ele e, diga-se de passagem, magnificamente bem. Embora conversássemos bastante sobre a paleta de cores a ser usada em determinada história, ambientando, dando o clima, sempre expunha minhas intenções, porém deixando a realização e como chegar nessa paleta de cores desejada a ele. E esse método se estendeu posteriormente a outros coloristas com quem trabalhei como Flávio Soares (Iracema) e Thaynan Lana ( O vampiro, Aventureiros do Faz de Conta).

Porém em meu mais recente trabalho lançado, A prisioneira, com roteiro do mestre R.F. Lucchetti, para coleção Escafandro da editora Ultimato do Bacon, resolvi mudar um pouco o foco, digamos assim. Já havia colorizado outros quadrinhos meus como Os faroleiros e outros contos de Monteiro Lobato e Navio Negreiro e outros cantos de Castro Alves, ambos lançados pela Editora do Brasil, porém nesses casos a colorização basicamente funcionou como o elemento a que se propunha. Em A prisioneira, a ideia de pensar uma cor e executá-la d’uma maneira própria veio justamente após a leitura do conto do Lucchetti, um mistério que vai do começo ao fim brincando com as expectativas do leitor. Como sou um profundo admirador do cinema europeu B dos anos 60 e 70, assim como do cinema brasileiro desse mesmo período e venho criando um universo estético em minhas hq’s baseado nesse clima cinematográfico(futuramente falarei disso aqui), resolvi que a cor teria uma menção dos clássicos filmes de suspense italianos desse mesmo período, o gênero giallo, tão popularmente difundido por cineastas como Mario Bava, Lucio Fulci e Dario Argento, esse último responsável, talvez, por um clássico absoluto e mais conhecido desse gênero, Suspíria. A ideia de trabalhar com cores fortes, quase caindo no

monocromático em alguns momentos e, principalmente sem tanta preocupação com uma lógica de cores, explico, azul - céu, marrom - tom de pele, tronco de árvore, verde-mata… compreenderam? Tudo isso veio formatado e deliciosamente aceito para esse trabalho, o que definitivamente trouxe luz aos meus quadrinhos, me proporcionando curiosamente a enxergar uma cor pessoal aos meus desenhos, e que me pareceu ter sido aprovado pelos leitores.


              Claro não me considero de forma alguma um colorista, comparando a tantos craques das cores que se tem por aí, incluindo muitos brasileiros, porém, posso me considerar que dou cor aos meus desenhos e que creio conseguir fundir a ideia: a estética pensada (a conversa dos anos 60/70 que voltarei a falar reiterando), meu tipo de desenho e história, quer escrita por mim e por esses grandes parceiros.



Quem se interessou por A prisioneira, é só ir no site da editora Ultimato do Bacon

Para entender melhor sobre o gênero de cinema giallo é conferir neste link

15 de agosto de 2023

QUANDO UMA CAPA FEZ A CABEÇA DE UM JOVEM FUTURO ARTISTA


            Dias atrás cruzei com essa  imagem de uma capa das antológicas publicações de terror brasileiro produzidas nos anos sessenta e setenta pela Editora Taika, casa editorial brasileira responsável por muitos títulos de quadrinhos brasileiros, como faroeste, guerra, humor, mas claro, o terror era o sucesso da Taika e o grande mestre ítalo-brasileiro Nico Rosso uma das grandes estrelas da editora. Essa capa em especial é de sua autoria, nem precisaria dizer, pois dá para perceber claramente nessa icônica assinatura. 

            Mas o motivo de comentar sobre essa capa é justamente por ser ela o gatilho como se está em moda dizer hoje em dia,  para uma nova percepção para o que se ler e principalmente para o que se criar em termos de quadrinhos. Isso digo de um menino lá no distantes anos setenta, consumidor irreparável desses títulos da editora Taika e que já fazia suas hq's. Essa ilustração mexeu profundamente com aquele muito jovem Laudo, claro pela sua dose excessiva de erotismo, mas pelo clima aí mostrado, o rosto sombrio e ameaçador, porém ao mesmo tempo enigmático do Drácula.  Lembro, se é que posso ter uma lembrança absoluta de algo que deve ter aproximadamente uns cinquenta anos, que quando vi essa capa, esse gibi nas bancas de São Vicente (cidade que nasci e morei até final dos anos setenta) ter tido esse tremendo impacto mas também ter demorado algum tempo para tomar coragem e comprar especificamente esta capa,  temendo bronca, puxões de orelhas do meu pai. Um adendo, não que já não comprasse outras publicações de terror na época, mas não com essa força, digamos assim. Pelo quase nada que me recordo na sequência, meu pai viu essa capa, ou teria sido minha mãe?... lembro da bronca... ela houve... mas parece que no final a coisa acabou seguindo e o gibi ficou comigo sem problemas... pois o material interno, mesmo sendo terror era mais "ameno", posso dizer.

Arte fantástica deste mestre absoluto que foi e é Nico Rosso

             Nico Rosso, como disse, foi uma das grande estrelas dessas publicações da Taika, me influenciou de uma maneira única, e claro, principalmente pelo seu jeito de desenhar mulheres.  À partir daquele período comecei a comprar outras publicações de outras casas editoriais com arte deste mestre, como o caso da coleção Clássicos da Literatura Juvenil,  da editora Abril, trazendo, como o próprio título dizia, obras máximas da literatura mundial ricamente ilustradas por grandes artistas nacionais e Nico Rosso frequentemente trazia suas artes para maravilhar essa coleção. 
            Claro, não foi Disney, nem Maurício de Souza ou coisas assim que fizeram a cabeça daquele menino futuro desenhista... teve super-heróis... teve muito humor (Recruta Zero, fui e ainda sou fã) mas teve muito Nico Rosso e suas vampiras e monstros estranhos...
            Mas essa conversa que agora trago para vocês é para de certa forma deixar registrado essa história peculiar sobre um gibi para adultos, que então e como sempre foi, muitos jovens e moleques liam, que marcou-me de uma maneira única e ajudou de maneira integral à moldar meu trabalho, lançando sua primeira semente que seria depurada e entendida com o passar dos anos e talvez ainda esteja sendo entendida e depurada, nem só por esse primeiro conteúdo que comentei incialmente, mas o tanto mais de coisas que pode trazer em si enriquecendo o trabalho e buscando sempre sua cara.


Uma das raras fotos de Nico Rosso