22 de junho de 2014

MUITO ALÉM DO PASTEL DE BELÉM

            No mês de maio, conforme comentei com vocês na postagem anterior, empreendi uma viagem a Europa, juntamente com o velho amigo André Diniz, ambos convidados pela organização do Festival Internacional de BD da cidade de Beja, Portugal. No embalo de nossa ida à terra lusitana, demos uma passada muito rápida, porém muito proveitosa em Roma e Paris. A viagem, além do passeio turístico, trouxe entendimentos e descobertas, tanto para vida pessoal, quanto profissional e artística, isso não é conversa filosófica num botequim ou mesmo em um café francês. A constatação que o mundo é muito grande, porém muito pequeno, foi algo muito forte e talvez pôde ser melhor percebida pela visão madura (eu acho) de uma pessoa de cinquenta anos. É claro que, em uma viagem feita por dois criadores de Histórias em Quadrinhos, a conversa por mais que se estendesse à outros campos, sempre resvalava no nosso universo de paixão e ofício.
            Entrando nas livrarias especializadas de quadrinhos na França, onde a quantidade de publicação é uma coisa tão absurda que a gente acaba nem querendo comprar nada, pois a experiência de percepção disso, para um desenhador, é algo muito mais profunda e concreta do que tão somente comprar meia dúzia de álbuns, ou vendo em Roma, alguns autores de fumetti expostos em livrarias junto com autores de literatura e com o mesmo peso e relevância para leitores, pude voltar meus olhos para o Brasil e principalmente para meu trabalho, que sempre teve essa preocupação de ter características próprias, não só pelo traço, mas pelo tempero, pelo cheiro, uma marca genuinamente brasileira, porém, ao mesmo tempo, do mundo. Há vivências, entendimentos, marcas, fontes, referências, nos quadrinhos
europeus que os distinguem e isso é perceptível, andando nas cidades, vendo as ruas e suas arquiteturas, cores, pessoas, no clima, então isso é deles, da mesma forma que há tudo isso em nosso país, que pode ser do resto do mundo e, não digo isso me referindo aos clichês turísticos brasileiros, samba, praia, futebol, bunda (ah!) e Amazônia. Há muito mais e não precisa ser alegórico. Precisa ser sincero. Esse foi o entendimento profundo e é essa a busca.
            Mas por fim, nossa passagem, minha e do Diniz, por Beja, foi algo muito bonito e o festival de BD, ótimo. A cidade é de uma beleza emocionante e mais ainda, as pessoas. O festival foi de uma simplicidade e grandiosidade ímpar, que tocou não só a mim, ao André, mas também outros grandes desenhadores brasileiros que estiveram presentes, José Aguiar, Laerte e Klévisson Viana e, acredito a outros convidados de outros países, como David Loyd e Caterina e Antônio Crepax, filhos do grande Guido Crepax e pessoas muito queridas. Em Beja, além de lançar "Yeshuah - onde tudo está", tive uma exposição em conjunto com Diniz, mostrando alguns de nossos trabalhos, inclusive "Olimpo tropical" que estou desenhando em cima d'um roteiro dele e que será lançado em Portugal, além de amostras individuais nossas. O carinho com que a curadoria do evento criou tudo, foi algo perceptível e de resultado excelente, sem eleger esse ou aquele como "maiores", todos éramos iguais. Não é à toa, claro, que esse festival foi para sua décima exposição e com certeza seguirá muitos anos pela frente.
            Curioso foi um comentário, feito pelo Diniz, em nossa passagem por Roma e mais especificamente visitando o Vaticano, na Basílica de São Pedro, eu lá estupefato pela grandiosidade e beleza artística e humana de tudo (esqueçam a questão igreja católica, ok?) e meu amigo trouxe o feliz e emocionado comentário: "Olha aí, você veio coroar o lançamento do Yeshuah aqui!". Perfeito. Mas ainda vale um adendo, a conclusão de tudo isso, inclusive a emoção do lançamento do meu novo livro, veio na hora de nos despedirmos de Beja e mais especificamente falando da figura de Paulo Monteiro, roteirista, desenhista, e responsável pelo evento. A emoção final de uma despedida de um amigo tão recente e que curiosamente parece ser tão antigo, tão querido, tão sincero, tão amado, foi muito forte. Alguém onde você tem a experiência (esse é o termo) de ter uma amizade sincera, livre de qualquer coisa, qualquer vício humano. Os vários abraços de despedida enquanto entrávamos no carro que nos conduziria até Lisboa e a emoção, canalizada através de quase lágrimas, foi algo muito forte e aí sim, coroou a mim e com certeza ao Diniz, toda essa viagem. Um amigo distante, lá nas terras de Camões, tão longe e aqui tão perto. Coroando toda essa experiência de 17 dias de viagem, com o ato de amor e carinho.
           Nessas, vale lembrar algumas brincadeiras que amigos fizeram comigo antes de embarcar, "Vai a Portugal? Come um pastel de Belém!", mas claro, Portugal é muito mais que só pastel de Belém, gastronomicamente falando é um paraíso, principalmente no que se refere à doces, muito além do "pastel de Belém". A balança e os quilinhos a mais que o digam.
           E muito mais que tudo isso, é o carinho sentido, vivenciado, presente em cada pequeno gesto, pequeno sorriso, em conversas bobas, no amor pela vida e em nosso caso específico, em nossa  arte de criar. Arte de criar emoção e vida.

          

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