2 de outubro de 2025

BANGUE-BANGUE COM SABOR DE FEIJOADA E CACHAÇA

Infalível pistoleiro mata muitos com poucas balas e tem ainda o som de PINHOW!

Em 2024, Daniel Saks, dono e editor da Ink & Blood Comics — editora com quem colaboro há alguns anos na sua clássica publicação Mestres do Terror — me propôs uma HQ para um novo título. Arriscando um gênero diferente do seu habitual de terror, ele iria lançar uma revista de faroeste, ou bangue-bangue, como se dizia aqui no Brasil antigamente.

Tanto o terror quanto o faroeste são gêneros queridos e bem populares aqui no país desde sempre. Embora eu seja um grande, imenso apreciador do faroeste — principalmente do cinema western spaghetti e dos clássicos da dobradinha John Ford/John Wayne —, com exceção de uma única vez há aproximadamente uns trinta anos atrás, eu nunca me esmerei em desenhar esse gênero, apesar de sempre ter tido a vontade, pelo simples exercício em si.

A proposta da Ink & Blood era irrecusável. Foi para o primeiro número da publicação Oeste Bravio que criei o cowboy solitário Sabatina, nome inspirado nos tantos pistoleiros do western spaghetti como Django, Campo Santo, Sartana, Ringo e muitos outros, além dos próprios filmes e sua estética, que sempre me inspiraram pela sua crueza. A HQ se chamou Sabatina – a pistola da vingança, apresentando o personagem a serviço de uma senhora que o contrata para resgatar a filha sequestrada por um grupo de bandoleiros. O clima, a narrativa e os diálogos buscam emular todos os clichês do gênero, porém foi aí que acrescentei um tempero pessoal, um tempero brasileiro, que acabei batizando de western feijoada.



Na minha concepção, é de certa forma complicado assimilar um gênero estrangeiro e incorporar todas as suas diretrizes, digamos assim, pelo simples fato de me considerar um autor genuinamente brasileiro. Mesmo que as histórias que eu venha a produzir não tenham características e berço brasileiro, o meu filtro é brasileiro. Ou seja, eu me permito criar e produzir HQs oriundas de outros lugares, pois o que mais me interessa é a história a ser contada e o que ela vai me propor na relação criador-leitores. Assim foi no passado, para citar, com Yeshuah absoluto e Auto da barca do inferno, por exemplo. A narrativa e a ambientação são trazidas e filtradas pelo meu enxergar brasileiro. Isso não se trata de uma questão ufanista ou de patriotismo exacerbado, infelizmente preponderante de uma forma absolutamente enganosa nos últimos tempos.

Por isso, tanto na primeira HQ do cowboy solitário quanto na segunda, feita recentemente — Sabatina – morro, volto e mato, especial para a coletânea a ser lançada pela editora Go Comics, que comentei na postagem anterior —, os nomes dos personagens se mesclam: há Dorothy, mas há Beto Espeto; tem Zenival, mas também Knoxville. Além, é claro, de, ao invés dos cowboys bebericarem uísque ou gim, nada melhor do que uma boa cachaça, a clássica Pitú.


Lógico que essa mistura de oeste norte-americano com sertão brasileiro, muito e muito mesmo, vem da influência que tenho do cinema brasileiro produzido nos anos setenta, em especial por diretores da famosa Boca do Lixo paulistana que produziram muitos filmes de ação, terror e, claro, faroeste, misturando esses gêneros com muita malícia e sensualidade das mulheres brasileiras. Tony Vieira é um desses casos, tendo produzido e dirigido clássicos como Quatro pistoleiros em fúria, Gringo, o último matador e Um pistoleiro chamado Caviúna, para citar apenas alguns de sua extensa filmografia.

A intenção é maquiar a história com todos os artifícios do gênero faroeste, mas alicerçada completamente no sertão, nos pampas e no interior brasileiro — este terceiro, por sinal, com o qual tive uma íntima relação na minha adolescência. E nesse processo todo, é óbvio que se vislumbra uma grande possibilidade para futuras histórias do personagem. A segunda HQ irá se apresentar na coletânea da Go Comics, a ser lançada até o final deste ano, e parece que poderá acontecer uma terceira para uma nova edição do gibi de bangue-bangue da Ink & Blood.

Enquanto houver espaço e tempo, Sabatina, o cowboy solitário, segue seu caminho.




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