9 de fevereiro de 2012

E AQUELE NOSSO PAPO, MAURO?

                      Quando uma pessoa morre, amigo, parente, conhecido, nos entristecemos, choramos pela lacuna que essa pessoa fará às nossas vidas. Choramos, entristecemos por, a princípio, não termos mais ela ao nosso lado. Choramos por nós, pela forma de amor que aquela pessoa, amiga, parente, namorada, o que quer que seja, leva embora, deixando aquele sentimento órfão de sua fonte. Algumas pessoas, mesmo que não tão presentes em nossas vidas, às vezes por um breve momento, deixam ali, na gente, o porquê do encontro dela conosco e muitas vezes, esse breve momento, vale para muitas outras existências O porquê dela naquele momento ter passado pela sua vida. E é por isso que devemos agradecer, reverenciar por ela ter feito parte de nossa vida, mesmo que dias, meses, anos ou algumas horas.
           Então, amigos, isso que agora escrevo para vocês é muito mais falando de mim, do que necessariamente de uma pessoa que há tão pouco tempo nos deixou. Desculpem-me, se pode parecer algo egocêntrico, mas não é. Na verdade é a forma de agradecer uma dessas pessoas que, passam pela vida da gente por um breve instante. Mauro dos Prazeres, que deixou essa existência dia 7 de fevereiro de 2012 aos 55 anos, se não me engano, é uma delas.
          Muito moço a gente diz, para ter ido, em meio há tantas outras coisas. Na verdade, o tempo para ele foi esse e para os que com ele desfrutaram o existir aqui. A gente ainda continua, talvez mais um pouco, ou talvez mais tempo ainda. Mauro segue, com certeza, por outros caminhos.
           Conhecemos-nos em agosto, se não me engano de 2009, quando seu sócio e co-fundador da Devir Livraria, Douglas Quinta Reis, me chamou para uma reunião interessado na publicação do meu trabalho Yeshuah.
           Vinha de muitas, muitas investidas em diversas editoras na intenção de publicar esse meu trabalho. Havia uma sede primária, voraz, pela publicação dessa hq, pois havia e há ainda, toda uma experiência quase visceral de minha descoberta de como eu realmente queria contar uma história em quadrinho. Havia passado muitas decepções em muitas editoras que havia batido à porta. Decepções que obviamente mexem com seu ego, exercitam a auto-piedade, levam sua auto-estima para um buraco muito fundo levando a crer na validade do que fez e principalmente se tudo ou um pouco, que seja, daquilo que você pensa ser. E por mais que os anos de trabalho, de vivência dentro do criar quadrinhos, no caso, te deixem mais maduro para encarar alguns fatos desagradáveis, tirar sua esperança  de um rebento, de um trabalho pessoal, é algo difícil de lidar.
           Enfim, naquele agosto de 2009, sentei-me com Douglas e Mauro para um bate-papo sobre Yeshuah. Mauro imediatamente começou nossa conversa questionando como eu enxergava a figura de Maria Madalena dentro do contexto da história de Jesus, se eu a enxergava como uma prostituta “arrependida”. Óbvio, ele já havia lido a boneca do primeiro volume, “Assim em cima assim embaixo” e por lá, estava perceptível que minha visão passava longe do que a igreja católica vinha e vem apregoando há séculos. Essa primeira explanação sobre o trabalho trouxe um tremendo sorriso no rosto do Mauro e aí então, entramos num papo que durou mais de uma hora sobre inúmeras questões que abrangem a história de Jesus: apócrifos, teosofia, textos antigos, mitos, o lado histórico, uma infinidade de questões. Eu entendera perfeitamente que ele realmente me sabatinava para saber se, aquele cara, eu, estava plenamente consciente do que me propunha a publicar com a Devir. Quem leu o primeiro volume do Yeshuah, pode conferir na bibliografia que há um livro do guru Osho sobre sexo tântrico, esse livro inclusive foi questionado pelo Mauro no interesse de saber onde a questão tântrica se adequava à história de Jesus. Claro que foi respondido e não vou me deter aqui, em minha resposta. Isso para mostrar até onde os questionamentos do Mauro foram, para realmente tirar tudo que fosse possível de um suposto autor de uma hq apócrifa sobre Jesus.
           Findada a conversa, Mauro apertou minha mão e disse estar plenamente feliz por publicar um trabalho como o meu.
            Saí da reunião com uma boa e estranha sensação de felicidade. Não apenas pelo fato de finalmente ter acertado a publicação do trabalho, mas por essa tão proveitosa conversa, indo além do meu desenho, traço, enquadramentos, ângulos e tudo mais, porém percebendo que tanto Douglas quanto Mauro, estavam interessados no cara que fez aquele trabalho. Isso, de alguma forma silenciosa e comunicativa com o inconsciente me fez muitíssimo bem.
            Cruzei meu caminho com o do Mauro outras vezes e estendemos ainda o assunto sobre questões religiosas, espirituais, mitológicas que ele conhece muitíssimo bem, pois mais que um homem culto, exacerbava sabedoria. Deu muitas idéias para futuros trabalhos. Quem sabe. A última vez que nos encontramos foi no evento da Devir, o “Virada Nerd”, falamos bastante e claro, falei com ele sobre a terceira e última parte do Yeshuah que venho trabalhando. Mauro mostrou-se muito curioso nessa finalização.
            Mas Mauro se foi dessa cena. Ele é uma dessas pessoas que passam rapidamente por sua vida e deixam gravado um momento plenamente especial. Talvez não tanto para ele, mas muito para mim. Pela sensação perene, inesquecível daquele bate-papo na editora e da sensação posterior. Me fez crer que sempre vale a pena. Sempre alguém vai te enxergar, mesmo que você mesmo não consiga enxergar isso.
           Deixa família. Muitos, muitos amigos com certeza. Seu amigo e parceiro de tantos anos, o querido Douglas Quinta Reis. A mim, ficou aquele momento de agosto.
          Quanto estive em seu velório, triste por alguém que não mais estava ali, só um corpo sem vida, não havia mais nada para se fazer.
           Voltando para casa lembrei daquela primeira reunião e de nossa última conversa e pensei num primeiro momento que o Mauro não iria mais ver a última parte do Yeshuah. Num segundo momento, me veio a idéia que não: com certeza, de algum modo, acredito que ele verá o fim dessa história.
           Assim acredito.
            
          
         

2 comentários:

Anônimo disse...

Laudo, você sintetizou a frase que buscava desde que soube do falecimento: "Ele é uma dessas pessoas que passam rapidamente por sua vida e deixam gravado um momento plenamente especial". Perfeito. É justamente isso. Mauro sai de cena muito cedo. Paulo Ramos.

Jaime Daniel disse...

Concordo plenamente com você, Laudo. E isso é um dos fatos mais impressionantes sobre o Mauro. Todos sempre tem um momento bacana e especial na lembrança que envolve o Mauro.
E são esses momentos que ficam, junto da saudade.

Abraços e parabéns!