8 de dezembro de 2025

AUTOGRAFANDO EXEMPLARES DO YESHUAH

Com o Leonardo, um dos tantos leitores da hq que estiveram presentes

Não falha! Todos os eventos de quadrinhos/cultura pop que participo, seja em que local for do país, sempre tem leitores que trazem seus exemplares de Yeshuah absoluto para eu autografar. É um negócio que me deixa tremendamente emocionado, lisonjeado, feliz, enfim, não tenho adjetivos. Nessa edição de 2025 da CCXP a coisa extrapolou, pois a quantidade de Yeshuahs que autografei nesses dois dias de evento foge a regra. Gente de Curitiba, Belo Horizonte, Bahia, Rio de Janeiro. Pessoal encara horas de carro e ônibus para vir ao evento, trazendo em suas mochilas/malas exemplares (às vezes mais de um) meio pesadinho, pois o livro tem 500 páginas, capa dura, aquelas coisas para ganhar um autógrafo em suas edições. Quero de todo meu coração (e com certeza, em nome do Omar Viñole, meu parceiro nesse livro) agradecer a todos vocês pelo imenso carinho para com esse trabalho. Afinal foi feito para vocês.

3 de dezembro de 2025

UMA ESQUINA DE MINAS PARA O MUNDO E PARA OS QUADRINHOS TAMBÉM

  


             No final da primeira década dos anos dois mil, a ideia para um novo trabalho em quadrinhos veio de maneira arrebatadora e simplesmente se instalou em minha cabeça na forma “nem sei como, mas vou fazer isso!”. Transpor para as hq’s a história (ou parte dela, pois além de muita gente envolvida, há muitos fatos ocorridos, ou seja, muita coisa para se contar e difícil de colocar tudo em um livro em quadrinhos) dos músicos, compositores, cantores, poetas, gente comum, ligadas ao movimento musical Clube da Esquina, encabeçado por Milton Nascimento e o então jovem Lô Borges que em 1972, pariram uma obra prima da música brasileira e mundial, o disco referido, Clube da Esquina.

            Descobri o som dessa turma, ainda pré-adolescente, por volta de 1976, através de discos posteriores ao Clube, lançados naquele período como Geraes do Milton, A página do relâmpago elétrico, um negócio arrebatador que ainda hoje toca lugares de minha alma que é difícil de exprimir em palavras, ah, esse é o título do primeiro disco do Beto Guedes e por fim, o antológico disco do tênis do Lô. Aliada a uma música de melodias um tanto complexas, com arranjos misturando pop, rock, barroco mineiro, jazz e outras sonoridades com uma poesia direta e profunda, esses caras do Clube da Esquina foram meus primeiros gurus espirituais, antes de qualquer outro tipo de contato intelecto espiritual que viria a ter bem mais para frente com caras como Gurdjieff, Ram Dass, Krishnamurti, Chico Xavier, Anne Besant e por aí vai. Como disse, a poesia dos letristas mineiros como Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Marcio Borges, vieram antes, se instalaram, semearam coisas, bem num período de descobertas, da sensibilidade se aflorando e, mesmo não compreendendo naquela ocasião, muito do que queriam dizer aquelas letras, aliada a melodias sublimes, sonoras, de sons arrebatadores, o sagrado e o profano davam as mãos e iam dançar nos meus campos do inconsciente. Claro, meu e de tantos e tantos.

            E já que naquele período da arrebatadora inspiração de contar um pouco da história desse famoso clube, veio de forma contundente, ocorreu algo que algumas outras vezes já havia acontecido comigo, como se dizia, as pedras vão se encontrando e comigo algumas vezes aconteceu assim. Curiosamente, o fotógrafo Juvenal Pereira, responsável por uma boa parte das imagens que estão no interior do antológico disco, era meu vizinho aqui no bairro da Pompéia, em São Paulo, e frequentávamos uma pequena loja de discos e cd’s antigos aqui do bairro, onde papeávamos muito com o proprietário, aliás, o gasto de conversa sempre foi maior que com a matéria prima da loja, porém, Juvenal e eu,  nunca havíamos nos encontrado lá e foi em uma das conversas com o proprietário que comentei sobre a tal intenção de criar uma hq sobre o Clube, e ele justamente comentou sobre meu ilustre vizinho. Literalmente ele morava muito próximo de mim. Enfim, ponte feita, conheci esse outro grande mineiro, de simplicidade e talento nas mesmas proporções e ficamos amigos de anos e poucas conversas. Curiosamente ao apresentar a ideia para o Juva, como prefere ser chamado, falou-me que o Marcio Borges, grande parceiro de obras primas do Milton como a própria música “Clube da Esquina”, entre tantas outras, estava justamente buscando algum desenhista para levar para os quadrinhos alguns momentos da história de toda a turma, para um projeto que se esboçava que seria o Museu Clube da Esquina. Uma proposta que de início seria virtual, vinculada através de um site ligado ao Museu da Pessoa, para posteriormente virar algo mais real, físico, com local e tudo mais.

            Em uma fração de segundos, posso dizer assim, conheci o Marcio, sua mui simpática esposa Claudia e os outros membros desse panteão sagrado da música: Fernando Brant, outro grande parceiro letrista, Beto Guedes, Lô e Telo Borges, Wagner Tiso, Toninho Horta enfim, muitas trocas de informações para colher material para desenvolver essa primeira parte do projeto: inicialmente foram desenvolvidas treze páginas, onde cada uma contava momentos da vida não só do Milton, mas como dos outros, não só histórias de como algumas canções clássicas da música brasileira foram criadas, exemplo “Travessia” música feita por Milton em parceria com Fernando Brant, pedra angular na carreira do cantor e compositor, ou “Manoel, o audaz” histórica canção de Toninho Horta com também letra de Fernando Brant, que fala sobre o icônico jipe de Brant batizado carinhosamente com esse nome próprio. Enfim, depoimentos levantados individualmente que se somaram ao livro Os sonhos não envelhecem do Marcio Borges que foi a bússola para esse projeto. As treze páginas entraram no ar, mas logo em seguida veio a ideia de ampliar esse “horizonte mineiro” e transformar aquelas páginas on-line num livro com mais histórias, inclusive de pessoas como dona Maricota, mãe do clã Borges, por exemplo, “criadora” do termo Clube da Esquina ou da lendária Dona Olímpia, figura mitológica que perambulava pelas ruas de Ouro Preto e que, posteriormente virou tema de uma música de Toninho Horta e Ronaldo Bastos. As páginas se expandiram em histórias reais também que extrapolavam a ideia original de uma página para cada caso, onde a intenção era contar mais que a história de Milton Nascimento e mesmo de seus amigos e parceiros, mas também de todo um momento histórico que viveu o país indo de meados dos anos sessenta até meados dos oitenta, e que aqui no Brasil, foi embalado pela música e pela poesia desses caras, Indo da celebração da amizade e da vida até a luta e a resistência ante uma terrível ditadura militar que arrastou o país por vinte anos.

            O gibi se chamou Histórias do Clube da Esquina, lançado pela Devir em 2011, teve um tremendo retorno de público e ainda hoje ecoa em vendas. Um gibi feito de fã para fãs. Contou ainda com cores do Omar Viñole. Na ocasião de seu lançamento, foi celebrado com uma sessão de autógrafos em Belo Horizonte, reduto da maioria dos membros desse honrado clube, em um local chamado Bar do Godofredo, que fica poucos metros acima da famosa esquina das Ruas Divinópolis com Paraisópolis no bairro de Santa Tereza, o bar pertencente então naquela época a um dos filhos do músico Beto Guedes, transpirava o clima do Clube da Esquina, em todos os sentidos, principalmente, claro, por trazer no centro de seu ambiente vários instrumentos musicais, para se criar bandas improvisadas para se tirar a curtir aquela sonzeira.

            Foi nessa sessão de autógrafos que não só eu e o Omar assinamos uma quantidade enorme de livros, mas da mesma forma os outros artistas do clube, então você tinha em um canto, Fernando Brant autografando livros, no outro Marcio Borges, no outro Beto Guedes, Lô Borges proseando e autografando,  ou mesmo pessoas amigas e não menos importantes na história do movimento como Silvana Guedes, primeira esposa do Beto ou o Juvenal “Juva” Pereira, amigo querido e a pessoa que havia possibilitado tudo aquilo. Coroando essa grande noite, apareceu Toninho Horta, que além de genial músico, tem um coração enorme, junto com a antológica cantora Alaíde Costa, que participara do disco Clube da Esquina em um incomparável dueto com Milton em “Me deixa em paz”. Ambos estavam em BH para uma apresentação no Palácio das Artes na capital mineira, mas naquele dia, deram uma escapada para celebrar o lançamento. Enfim, uma grande noite. Uma grande celebração ao lançamento de um trabalho apaixonado, que foi e ainda é esse meu quadrinho, a história dessas pessoas e sua relevância a história da nossa música e da nossa arte. Mas antes de tudo uma celebração a vida e ao existir.

            Recentemente Lô Borges, se foi. Setenta e três anos. Jovem para nossos atuais padrões, e muito mais jovem ainda, pela vitalidade e inspiração, estado que vivia constantemente. Com muita coisa a ser feito e sendo feita. Lô deixou um legado inestimável. Triste pensar em sua partida prematura. Mas a celebração que sua arte, sua música evoca é maior e será nela que vamos guiar nossa bússola. “O sol na cabeça” como nos diz a letra de seu clássico “Trem azul”. E todos nós seguimos sempre, de alguma forma, como as canções, como nossas histórias, como nossos quadrinhos, porque os sonhos... você sabe, os sonhos não envelhecem.

 

          

Bar do Godofredo em 2011, lançamento de "Histórias do Clube da Esquina". Da esquerda para direita: Marcio Borges, Fernando Brant, Toninho Horta, Laudo e Omar Viñole.
















*Texto publicado originalmente na Devir News de novembro de 2025

 

 

14 de novembro de 2025

A QUESTÃO É...



         
O deserto de "As tentações de Santo Antão" - fora e dentro de cada um

              
            Há algum tempo, em um evento de quadrinhos aqui em São Paulo, encontrei com uma conhecida, ilustradora, com provavelmente mais de quarenta anos de carreira, uma quadrinista de mão cheia. Muito atuante nos anos oitenta e acredito que noventa também, produzindo razoavelmente bem para algumas editoras que então, naquele período, se dispunham a publicar material brasileiro. Porém, já há uns bons anos havia se retirado da produção de hq’s, não sei dizer se trabalhava ainda como ilustradora, acredito que não. Talvez tenha aposentado o pincel, justamente pela resposta a mim dada quando lhe perguntei se não se interessava em produzir material inédito, tendo em vista que hoje em dia temos um considerável número de editoras pequenas e médias que vem publicando material brasileiro. Ela, uma senhora de seus sessenta e poucos anos, tranquila e de fala pequena, olhou-me diretamente nos olhos com toda docilidade e me arrebatou: “Não, não... desenhar quadrinhos não é algo mais tão importante assim...”. O tempo parou, tudo em volta congelou, inclusive meu mental fez um pit stop em algum lugar que não ainda hoje não sei dizer onde era. Um segundo de silêncio, para depois refletir que, talvez, o questionamento não carecesse de acontecer, pois a resposta tranquilamente e educadamente dispensava necessidades. Eu não questionei, toda possibilidade de seguir adiante do ensejo terminou ali. A conversa rumou para outros campos.
            Aquela resposta perdurou em minha cabeça durante um bom tempo. Não de modo obsessivo, mas como uma possível trilha interessante para, pelo menos, eu seguir dentro de minha estrada de quarenta anos “sérios” dentro dos quadrinhos brasileiros. Vale dizer que em 2024 comemorei essa efeméride publicando pela Editora Devir “As tentações de Santo Antão”, obra com roteiro e desenhos meus onde brincava de maneira “séria”, dizendo ser uma hq autobiográfica. O mito do santo, assim como a hq, conta seu duelo de décadas com Lúcifer, no deserto, na disputa de sua alma, hora alçada para as elevações divinas, hora jogada nos porões infernais. A luxúria, o desejo, a satisfação da carne e suas absolutas necessidades e o coração e alma em êxtase perante aquilo que realmente alimenta. Claro, “brincava” dizendo ser um quadrinho biográfico, não por me considerar uma figura boa, santa, mas pela dualidade eterna da carne e da alma estar em constante duelos. A minha pelo menos sim. E a sua?
            O que eu preciso? Eu tenho fome de quê? O que pode calar um pouco essa necessidade? Que afinal, é a minha e de todos.
            Quem acompanha minha carreira nesse tempo, sabe e pode exemplificar que fui das mulheres voluptuosas, carnudas de muitas hq’s, tendo seu apogeu na longa série da personagem Tianinha na primeira década dos anos dois mil, até obras grandiosas e talvez...  pretensiosas... ??...  como Yeshuah, “Cadernos de viagem”, “O santo sangue”, e recentemente a referida hq “As tentações de São Antão”. Sexo, santos e mantras? Mas ainda é na verdade, uma busca. É um olhar para todos os lados. É talvez mais que desenhar... ainda hoje é contar histórias. Mesmo que for em frente ao espelho.
            Sou como tantos da época da frase que vivia ecoando: “Dá para viver de quadrinhos?”. Recentemente também me perguntaram numa live porque eu faço quadrinhos. A questão simples trouxe reflexões. Há a constatação que vive ecoando nas redes sociais, na boca amiúde dos analíticos de quadrinhos, que fazer e publicar hq’s não é fácil. O fato pesando sobre o sonho. Mas precisa disso? Em meados dos anos dois mil houve um tsunami de jovens autores que de lá para cá só vem aumentando e se renovando, mostrando um cenário prolífico. Para verificar isso basta comparecer em grandes eventos de cultura pop nas denominadas “alas/vale dos artistas”. Termo que me incomoda pois o campo dos artistas transcende as alas e os vales, os próprios eventos em si mostram. Algo que como observador lá atrás, de quem já vinha caminhando há tempos, pude perceber que essa caravana avançava sem lágrimas, sem desilusões, sem desesperanças, justamente com todo o oposto de muitos que para trás ficaram: “Nós queremos fazer!” Inerente ao espírito jovem, abandonando as lamúrias dos que não acreditavam no futuro... e claro... a questão que ainda hoje vejo correr nos eventos presenciais ou virtuais: “Qual o futuro dos quadrinhos no Brasil?” torna-se, com pedido de desculpas, aos que cultuam a questão, que dispensa análises. A coisa acontece aqui e agora. E se não está bem? Resiste com força e satisfação e afinal de contas, precisa mesmo estar bem? Olhe para o país e olhe para esse pequeno universo de gibis. O que te parece? Está ruim?
            E aí, volto para minha amiga ilustradora e sua doce e tranquila resposta a minha questão: “...desenhar quadrinhos não é algo mais tão importante assim”. E não é mesmo. Para ela em sua amorosa e sábia aposentadoria, tudo certo. É muito vital, para toda essa geração que veio e ainda para os que vem vindo, com a força de quem abre seu caminho com arte e com querer. E para mim... ainda duelo com meus demônios no deserto, como Antão, buscando ainda entender qual a fome a ser saciada, do céu ou a do inferno... ou talvez, o que muito mais provável, as duas. Contando essa história olhando para o espelho. 

*Texto publicado originalmente na Devir News de abril de 2025 


         

            

2 de novembro de 2025

CONTANDO CANÇÕES

 


Nas minhas últimas postagens, tenho comentado sobre a grande influência que a estética dos anos 60 e 70 vem tendo nos meus quadrinhos, principalmente no visual, mas não só a estética, como também uma reinterpretação de algumas ideias e conceitos, histórias e personagens. E, refletindo melhor, isso não é de hoje. Se pensarmos, lá atrás, já em 1995, eu já vinha, de certa forma, cultivando isso quando lancei a adaptação do filme “À meia-noite levarei sua alma”, do José Mojica Marins, o popularíssimo Zé do Caixão. Bem, eis que, no final do ano passado ou início deste, não me recordo bem agora, veio uma deliciosa e inusitada proposta dos editores independentes Marcio Sno e Paulo Kobielski: participar de uma coletânea em que, juntamente com outros artistas dos quadrinhos, iria se dar uma leitura para canções clássicas do cantor e compositor Odair José. Como disse, uma deliciosa e inusitada proposta, prontamente aceita.

Cresci nos anos 70. Entre tantas outras coisas (gibis, cinema, televisão), ouvia muito rádio com minha mãe. E, vale lembrar que não existia naquela época essa coisa de rádio AM e FM como posteriormente aconteceu; era tudo uma coisa só. Lá ouvi muita música realmente popular, e antológicos radialistas como Haroldo de Andrade e Barros de Alencar. Até mesmo o mitológico Silvio Santos teve seu programa diário. E o desfile de cantores era infinito: Roberto Carlos (que meu pai era fã absoluto), Agnaldo Timóteo, Antônio Marcos, Paulo Sérgio, Benito Di Paula, Wanderléa, Rosemary, Claudia Barroso, Waldick Soriano, entre muitos, muitos. E tinha Odair José, que de certa maneira me chamava a atenção pelo seu visual, um pouco diferente daqueles galãs cantores (como eram chamados na época): cabeludo, muito magro, um olhar distante, sério, e, principalmente, cantando coisas que, então, para um menino de 12/13 anos, soavam estranhas. "Eu vou tirar você desse lugar": que lugar era esse? "Para de tomar a pílula?": que pílula? para quê? Vale salientar que falo de meio dos anos 70, e só aí existe uma diferença muito grande de um menino daquela época para hoje.

Retornando então: a proposta para participação nessa revista, que se chamaria "Gibi Proibido" (referência a outra clássica canção de Odair, "Revista Proibida"), a ideia para mim seria dar uma leitura justamente para um outro clássico absoluto, "Eu vou tirar você


desse lugar"
: a história do cara que fala para uma garota de programa que trabalha em uma casa de prostituição, ao qual se apaixonou perdidamente, que irá levá-la daquele lugar onde ela trabalha para que ambos construam uma vida de amor pleno. A HQ, então, teria um outro campo de visão, que seria da garota ao qual o personagem da canção e do quadrinho faz a promessa, aguardando, sonhando então com esse dia e a dura consequência dessa realidade.

Trabalho lançado. Prontinho para vocês lerem e conhecerem. O gibi traz ainda Bira Dantas, Germana Viana, Kico Garcia e Kris Zullo, grandes artistas dos quadrinhos também trazendo suas interpretações. A revista você encontra no meu site.

Uma honra, uma delícia, e mais uma concretização para uma linha de pensar e fazer quadrinhos que vem se estabelecendo em minha cabeça.

Ah, sim, em novembro fizemos um lançamento aqui em São Paulo da revista, com a presença minha, do Kris Zullo, Germana Viana e do editor Marcio Sno, além, óbvio, do próprio Odair... e num determinado momento foi dado pelo próprio um spoiler de algo que virá para 2026. Quem esteve presente pode saber, quem não, é aguardar.

Odair José com o editor Marcio Sno, os desenhistas Kris Zullo, Germana Viana e eu.



 

2 de outubro de 2025

BANGUE-BANGUE COM SABOR DE FEIJOADA E CACHAÇA

Infalível pistoleiro mata muitos com poucas balas e tem ainda o som de PINHOW!

Em 2024, Daniel Saks, dono e editor da Ink & Blood Comics — editora com quem colaboro há alguns anos na sua clássica publicação Mestres do Terror — me propôs uma HQ para um novo título. Arriscando um gênero diferente do seu habitual de terror, ele iria lançar uma revista de faroeste, ou bangue-bangue, como se dizia aqui no Brasil antigamente.

Tanto o terror quanto o faroeste são gêneros queridos e bem populares aqui no país desde sempre. Embora eu seja um grande, imenso apreciador do faroeste — principalmente do cinema western spaghetti e dos clássicos da dobradinha John Ford/John Wayne —, com exceção de uma única vez há aproximadamente uns trinta anos atrás, eu nunca me esmerei em desenhar esse gênero, apesar de sempre ter tido a vontade, pelo simples exercício em si.

A proposta da Ink & Blood era irrecusável. Foi para o primeiro número da publicação Oeste Bravio que criei o cowboy solitário Sabatina, nome inspirado nos tantos pistoleiros do western spaghetti como Django, Campo Santo, Sartana, Ringo e muitos outros, além dos próprios filmes e sua estética, que sempre me inspiraram pela sua crueza. A HQ se chamou Sabatina – a pistola da vingança, apresentando o personagem a serviço de uma senhora que o contrata para resgatar a filha sequestrada por um grupo de bandoleiros. O clima, a narrativa e os diálogos buscam emular todos os clichês do gênero, porém foi aí que acrescentei um tempero pessoal, um tempero brasileiro, que acabei batizando de western feijoada.



Na minha concepção, é de certa forma complicado assimilar um gênero estrangeiro e incorporar todas as suas diretrizes, digamos assim, pelo simples fato de me considerar um autor genuinamente brasileiro. Mesmo que as histórias que eu venha a produzir não tenham características e berço brasileiro, o meu filtro é brasileiro. Ou seja, eu me permito criar e produzir HQs oriundas de outros lugares, pois o que mais me interessa é a história a ser contada e o que ela vai me propor na relação criador-leitores. Assim foi no passado, para citar, com Yeshuah absoluto e Auto da barca do inferno, por exemplo. A narrativa e a ambientação são trazidas e filtradas pelo meu enxergar brasileiro. Isso não se trata de uma questão ufanista ou de patriotismo exacerbado, infelizmente preponderante de uma forma absolutamente enganosa nos últimos tempos.

Por isso, tanto na primeira HQ do cowboy solitário quanto na segunda, feita recentemente — Sabatina – morro, volto e mato, especial para a coletânea a ser lançada pela editora Go Comics, que comentei na postagem anterior —, os nomes dos personagens se mesclam: há Dorothy, mas há Beto Espeto; tem Zenival, mas também Knoxville. Além, é claro, de, ao invés dos cowboys bebericarem uísque ou gim, nada melhor do que uma boa cachaça, a clássica Pitú.


Lógico que essa mistura de oeste norte-americano com sertão brasileiro, muito e muito mesmo, vem da influência que tenho do cinema brasileiro produzido nos anos setenta, em especial por diretores da famosa Boca do Lixo paulistana que produziram muitos filmes de ação, terror e, claro, faroeste, misturando esses gêneros com muita malícia e sensualidade das mulheres brasileiras. Tony Vieira é um desses casos, tendo produzido e dirigido clássicos como Quatro pistoleiros em fúria, Gringo, o último matador e Um pistoleiro chamado Caviúna, para citar apenas alguns de sua extensa filmografia.

A intenção é maquiar a história com todos os artifícios do gênero faroeste, mas alicerçada completamente no sertão, nos pampas e no interior brasileiro — este terceiro, por sinal, com o qual tive uma íntima relação na minha adolescência. E nesse processo todo, é óbvio que se vislumbra uma grande possibilidade para futuras histórias do personagem. A segunda HQ irá se apresentar na coletânea da Go Comics, a ser lançada até o final deste ano, e parece que poderá acontecer uma terceira para uma nova edição do gibi de bangue-bangue da Ink & Blood.

Enquanto houver espaço e tempo, Sabatina, o cowboy solitário, segue seu caminho.




21 de setembro de 2025

UMA MUITO ESPECIAL COLETÂNEA

Capa da coletânea a ser lançada 
           A editora Go Comics de Goiânia, vem armando uma parceria bem frutifica e já estamos com alguns bons projetos em andamento, realizando e esboçando. Mas, para começar essa parceria ela propôs lançar uma coletânea com quadrinhos curtos produzidos ao longo dos anos e que estiveram presentes em várias publicações mix de diversas editoras. A proposta seria inclusive, que essa coletânea inaugurasse um selo da editora, que traria amostras de trabalhos de vários artistas das hq’s brasileiras. Claro que proposta foi aceita e, principalmente uma honra inaugurar então a Biblioteca Brasileira de Quadrinhos.

            Serão doze hq’s produzidas aproximadamente nos últimos vinte anos para algumas revistas como Café Espacial, Clássicos Revisitados, Fierro Brazil, entre outras e duas inéditas, feitas especialmente para essa edição. A primeira, Sabatina- morro, volto e mato, traz uma segunda aventura do meu cowboy no meu universo western feijoada, Sabatina. Breve irei fazer uma postagem explicando melhor esse personagem e o gênero que “bolei” denominado western feijoada. A outra hq é Bella Senz’anima – uma outra versão. Essa história aconteceu a pedido dos editores da Go para essa edição, pois há um outro quadrinho na mesma coletânea também chamado Bella Senz’anima, de uma única página, produzida em 2010 para um zine chamado Pâncreas. Essa primeira versão nada mais foi e é, que uma brincadeira sem muito o porquê, meio na doidera mesmo, em cima da música Bella Senz’anima, um clássico da música romântica italiana dos anos sessenta. Algo sem muita explicação. Pegando uma situação dramaticamente canastra no melhor estilo novela mexicana, de uma mulher que abandona um parceiro e tudo isso embalado por um tipo de cantor de churrascaria interpretando esse clássico do cancioneiro italiano. Foi então que os editores da Go, Sandro Bello e Paulo Castilho, propuseram que fizesse algumas cenas a mais para essa hq mostrando um pouco mais dessa situação, explicando um pouco mais todo o drama. Os quinze anos que separam a criação da história para essa edição, de certa forma pesam e prefiro deixar perpetuada a intenção original de quando compus a história na ocasião, porém propus um tipo de nova versão dessa hq e foi então que surgiu a tal uma outra versão. Dessa vez o clima seria aparentemente sério, com um dramatismo mexicano, ou melhor, italiano, imperando pela hq toda, mostrando um homem que, numa noite chuvosa volta a seu antigo apartamento onde viveu um grande amor, que supostamente o abandonou. Nessa volta ao antigo lar, todos os fantasmas desse passado, voltam a lhe atormentar, inclusiva da amada, a tal bela sem alma. O protagonista do quadrinho tem seu rosto inspirado no ator italiano Tony Musante que fez vários dramas românticos nos anos sessenta e setenta, e todos os diálogos da hq estão também em italiano, misturando falas originais com a letra da canção que inspirou a hq. 

Sequência de "Bella senz'anima - uma outra versão"


            A edição trará um belo projeto editorial desenvolvido pela empresa Casa Rex, referência internacional no design de livros, e prefácio do Franco De Rosa, figura importante e parte da história dos quadrinhos nacionais, como editor e autor, e para mim, um querido amigo também e o primeiro profissional da área, que lá atrás, há mais de quarenta anos olhou para meus desenhos e pensou, creio eu, “esse cara pode dar certo”.

           Claro que estou satisfeito e principalmente honrado com tudo isso, e ansioso para que esse trabalho logo seja lançado e chegue até as mãos e os olhos de vocês.

        


24 de agosto de 2025

COISAS DE JAGUAR

 

            Conheci o Jaguar, no final dos anos noventa... ou talvez bem no início dos anos dois mil ... memória quase zero... mas era o período em que trabalhei como ilustrador das revistas Sexy, G Magazine e Set, da então editora Rickdan. Trabalhava diretamente com o jornalista Licínio Rios, grande editor, com quem aprendi muito, muito e foi por causa dele que criei a Tianinha nesse mesmo período. Uma ocasião, tive uma reunião editorial com ele e fui até a Rickdan (nesse período ainda tinha esse troço de reuniões presenciais) e estava numa pequena sala de espera, aguardando para ser atendido, quando me sai o Licínio, pedindo desculpas, mas teria uma reunião meio rápida com o Jaguar que estava de passagem por São Paulo e tinha que acertar umas coisas com ele e, se eu não me incomodaria de aguardar um certo tempo. “Sem problemas” respondi, mas naquele entusiasmo interno “Caramba, o Jaguar!!!”. O Licínio me informara que ele estava no banheiro e que a coisa não iria demorar. Mal acabara de dizer isso e vem o Jaguar saindo do banheiro e fomos apresentados, logicamente ele já soltou aquela frase básica, “Lavei as mãos, viu?!” Pensando agora, vindo do Jaguar será mesmo? Trocamos um papo rápido ali e em seguida os dois entraram para a tal rápida reunião. 

            Passaram quinze minutos e volta Licínio me chamando para participar do papo. Delícia de conversa, que se estendeu acredito que umas duas horas. Ver aquelas duas feras conversando, Jaguar, criador do “Pasquim” e de tanta coisa... tremenda... era só observar e aprender... e claro, a conversa misturava de tudo, temperado com um lado debochadamente pessimista que o Licínio tinha (esse querido amigo já há tempos foi para outras redações) e o deboche escancaradamente humorado do Jaguar.

             Nos encontramos outras vezes, não me recordo em que lugares foram... um deles, com certeza, na Bienal de Quadrinhos de Curitiba... (memória quase zero...). Sempre um bom papo. Porém, nessa primeira vez houve um detalhe que obviamente me chamou a atenção, o Jaguar saíra do banheiro na redação, com o zíper da calça completamente aberto e a calça molhada com respingos (seria do “lavar as mãos”??) e assim ficou o papo todo e assim foi embora.

            Passado esse momento, ficara ali na redação para a tal reunião com o Licínio e não me detive em comentar esse detalhe com ele: “Coisas de Jaguar, meu amigo”, respondeu ele, “Vai ver até percebeu isso... coisas de Jaguar, vai saber...”.